Depois do jantar me perguntaram o que poderia nos proteger da Máquina. Eis o que penso.
(Foto: Ilustração de Max Velati) |
Por Max Velati*
Semana passada, durante um jantar mais ou menos formal, tive que responder a algumas perguntas sobre esta coluna. Alguns convidados levantaram certas questões e fui para casa com quatro temas para digerir.
O primeiro é que percebi que estas pequenas conspirações semanais poderiam levar o leitor a entender minhas reflexões como um chá requentado da contracultura dos anos 60, 70, um panfleto rancoroso contra o "Sistema" e pelo tom rebelde um discurso que não deveria estar em formato digital, mas em folhas mimeografadas distribuídas em lojas de incenso.
Se eu estivesse ocupando este lugar na mídia apenas por uma questão de rebeldia ou inconformismo, dormiria mais tranquilo, mas o fato é que esta coluna em parte é uma confissão de culpa. Por muitos anos trabalhei em agências de propaganda, bancos, jornais e cuidei dos interesses de clientes que estão próximos aos centros de comando da Máquina, sendo "Máquina" o termo que uso nesta coluna para nomear a soma das contradições perigosas daquilo que consideramos Progresso e Civilização. Faço esta confissão sobre a minha participação na Máquina apenas para esclarecer que minhas idéias de resistência e fuga são planos de quem viveu por décadas com o macacão sujo de óleo, respirando os vapores de enxofre e operando as alavancas da sala das caldeiras.
A segunda impressão que tive durante o tal o jantar é que eu poderia ser confundido com alguém empenhado em revelar o poder oculto que rege nossas vidas. Muitos já foram acusados deste controle: Templários, Maçons, Illuminati, Clube Bilderberg, Skull & Bones...e até extraterrestres infiltrados. As denúncias vão da opinião bem informada ao delírio galático.
Existe de fato um poder por trás de todas as calamidades sociais e desigualdades, mas a causa de tudo isso não é um grupo específico e isso torna tudo mais difícil. Nós construímos a Máquina e a cada dia fazemos a nossa parte para que ela continue funcionando. Templários, Maçons, Illuminati...são todos pequenos setores, departamentos com maior ou menor poder de mover alavancas e inseridos em uma estrutura muito mais sólida, muito mais antiga, muito mais complexa e muito mais assustadora porque todos os dias é alimentada com nossos desejos e aspirações mais íntimos. Até mesmo a idéia de que grupos e seitas nos controlam é parte de um mecanismo engenhoso de autoproteção da Máquina, um truque de espelhos e fumaça para que fique difícil perceber a nossa culpa individual, a nossa parcela de responsabilidade, a nossa participação ativa, única, singular e valiosa empurrando as engrenagens na direção certa.
O terceiro tema que tive que mastigar diz respeito ao enfrentamento. Acho fundamental destacar que sou da opinião de que qualquer forma de enfrentamento ou oposição só alimenta a Máquina e torna ainda mais sofisticada e eficiente a sua capacidade de se manter no controle. Desenvolvidos ao longo de mais de dez mil anos, tais dispositivos de autoproteção estão muito além da nossa capacidade de sabotagem, desmonte ou ataque. Nos centros de controle qualquer força contrária aos interesses da Máquina é absorvida, diluída e transformada em combustível. Esqueçamos então a idéia de armas, bombas, baderna, violência, confrontos e destruição. Estas são justamente as ferramentas de construção da Máquina.
Depois do jantar eu já estava na porta me despedindo quando me perguntaram o que poderia nos proteger da Máquina, o que poderia manter afastados os tentáculos de aço e as engrenagens. Este foi o quarto tema que tive que digerir e pretendo escrever sobre isso no nosso próximo encontro aqui no Rota de Fuga.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.
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