Bela, tenaz, encantadora, ela é capaz de gafes de matar de invejar qualquer comediante.
Marlene, 80 anos, beleza e bom humor que sobrevivem ao tempo impiedoso.
Por Carlos Eduardo Leão*
Marlene é uma mulher excepcional. Dessas que marcam indelevelmente sua trajetória terrena tanto no coração dos amigos, parentes, admiradores como no dos poucos desafetos que, pela simpatia que irradia de sua beleza clássica e da simplicidade que emana de seus gestos e pensamentos, rendem-se ao reconhecimento de que se trata realmente de alguém diferente.
Marlene tem 80 anos muito bem vividos. Traz no semblante traços marcantes de uma beleza que sobrevive bravamente ao tempo impiedoso. Na juventude era frequentemente confundida com Iêda Vargas, talvez uma das mais belas mulheres nascidas no Brasil desde 1500, cujos atributos físicos foram reconhecidos pelo mundo que, encantado, conferiu-lhe o título de Miss Universo nos idos de 1963.
Marlene personifica a extroversão. Não há a mínima possibilidade de deixar de cumprimentar desconhecidos onde quer que esteja. Solícita, prestativa e de bem com a vida, Marlene está sempre preparada para uma palavra de conforto e esperança, o que faz dela uma companhia sempre querida e disputada pelos filhos, netos e bisnetos que não escondem um discreto ciúme em dividi-la com a legião de amigos que a querem igualmente por perto e pelos mesmos motivos.
Marlene é de um otimismo crônico. Daquelas que, se por um descuido, despencasse do décimo andar de um edifício, ao passar pelo quinto andar exclamaria: até aqui tudo bem! Dona de um humor permanente e de uma incrível facilidade de fazer amigos, vez ou outra extrapola e comete gafes que a caracterizam como uma pessoa afeita a foras antológicos.
Um dos mais espetaculares foi quando, numa elegante loja, antigamente chamada de boutique, ela notou a entrada de um homem que lhe parecia suspeito num primeiro momento. Não se fez de rogada. Retirou rapidamente seus anéis e aliança colocando-os na boca. Insistiu que sua filha, que lhe acompanhava nessa aventura, fizesse o mesmo. Aproximou-se da dona da loja, chamou-a num canto e, discretamente, abriu a boca mostrando a sua técnica de proteção improvisada. Com dificuldade, balbuciou: "Este homem parece suspeito, cuidado". Ao que a dona da loja respondeu. "Fique tranquila dona Marlene. Pode tirar seus anéis da boca. Ele é meu marido".
Outro antológico de sua vastíssima coleção de foras foi no velório de dona Maria, uma elegante senhora da sociedade local que partiu aos 95 anos. Na extensa fila de cumprimentos, Marlene esperava a sua vez de abraçar a amiga, filha da defunta. Chegada a sua vez, abraçou Janete com tamanho carinho e sentenciou: " Que pena! Estou arrasada. Dona Maria, tão nova!!!". Não houve reprimendas nem de Janete nem da família enlutada pois, em se tratando de Marlene, esse tipo de disparate é sempre esperado.
Sentada com o marido, numa elegante festa de casamento, Marlene se deliciava com um jovem casal que, na pista, dançava efusivamente. Nessa noite o nonsense de Marlene atingiu a apoteose. No intervalo da música, o casal encaminhou-se em direção à mesa vizinha. Marlene não se conteve. Levantou-se e dirigiu-se à bela jovem: "Vim lhe dar um abraço de parabéns. Você dança divinamente bem". Olhou para o jovem mancebo e continuou: "Você também, meu filho. Um verdadeiro pé de mesa!" – para desespero do marido que jamais se conformou com o equívoco no tipo do pé: "de valsa" pelo "de mesa".
Falando em marido, o seu, embora resignado, não aceitava muito bem os foras. Achava que ela era sempre candidata a desacatos e agressões físicas o que, até agora, não aconteceu, muito embora essa nefasta possibilidade exista. Particularmente, não acredito dada à naturalidade com que suas gafes espetaculares são cometidas.
Afinal, está é a Marlene que, certa vez, acompanhava seu pai, internado num hospital. O apartamento ao lado era ocupado por um ancião em estado terminal que Marlene fazia questão de visitar diariamente. Resolvi acompanhá-la numa dessas visitas. Em meio aos familiares, Marlene aproximou-se e disse, acariciando os pés cobertos do paciente: "Isso, sr. Manoel. É assim que eu gosto de te ver, corado e calminho". O homem estava morto e tinha acabado de ser maquiado para o velório. Esta é Marlene, minha adorável mãe.
*Carlos Eduardo Leão é médico e cronista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário