quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A economia e o capital natural



O sistema econômico necessita da natureza, e não o contrário (Foto: Divulgação)
Marcus Eduardo de Oliveira

A Economia tradicional, mesmo diante de exaustivas evidências, não aceita o fato de que o sistema econômico é dependente da biosfera (de um ecossistema global maior – finito e materialmente fechado - embora aberto ao fluxo de energia solar) e, não obstante, reafirma a Economia como uma ciência desvinculada da realidade socioambiental.

A natureza, para os neoclássicos, é uma mera “participante” do processo produtivo. Isso é um erro crasso, uma vez que, por essa ótica, não se leva em conta que o sistema econômico necessita da natureza, e não o contrário, tendo em vista que os padrões de consumo e produção dependem inexoravelmente dos ecossistemas mundiais.

Desse modo, os economistas tradicionais desconsideram os principais fundamentos biofísicos-ecológicos que regulam o sistema natural, ignorando, pois, que esse sistema, além de sustentar o sistema econômico, ainda fornece matéria e energia para o funcionamento do mesmo.

Em sua vertente tradicional, a Ciência Econômica continua sendo ensinada partindo-se do pressuposto de que o diagrama do fluxo circular é hermeticamente fechado e isolado; como se nada mais houvesse além das famílias e empresas, insumos, renda e despesas, convivendo num mercado de fatores de produção.

Ora, considerar o fluxo circular “fechado” como se estivesse numa “caixa isolada”, sem a penetração da natureza, é abster-se por completo da interrelação existente entre a economia e a biosfera. Inequivocamente, não há como desconsiderar a íntima relação de troca existente entre o sistema econômico-produtivo e a natureza.

Robert Ayres, um dos mais argutos pensadores da ecologia industrial, resume bem essa passagem: “os serviços energéticos não são apenas parte do sistema econômico, eles são, em grande parte, o que dirige os sistemas econômicos”.

Decorre disso a necessidade em afirmar que a economia deve ser entendida então como um subsistema de um sistema maior: o meio-ambiente. A economia, portanto, está inserida (é dependente) de um sistema maior, finito e materialmente fechado, embora aberto ao fluxo energético, conforme mencionamos.

Ao desconsiderar o sistema ecológico em toda sua amplitude, a teoria neoclássica tradicional ignora o que realmente se sucede em termos de movimentação dentro de um sistema econômico, a saber: entra (materiais) e sai (resíduos); entra matéria e energia, sai ejetada a poluição.

Dessa forma, fluxos de entrada (materiais e energia) e de saída (produtos e resíduos ejetados) precisam ser considerados, e não relegados ao esquecimento como tem sido comum pelas lentes míopes da economia neoclássica. Portanto, é um equívoco enxergar a economia de forma isolada, sem interação com o meio ambiente.

A economia é apenas uma parte de um todo; o todo é o meio ambiente. Nesse pormenor, Clóvis Cavalcanti, uma de nossas maiores referências na Economia Ecológica, diz que “não existe sociedade (e economia) sem sistema ecológico, mas pode haver meio ambiente sem sociedade (e economia)”.

De forma inequívoca, o processo de produção econômica vem necessariamente acompanhado da geração de resíduo e poluição. De toda sorte, essa relação entre a economia e o capital natural, cada vez mais emblemática, envolve alguns aspectos pertinentes: alterações do clima que são potencialmente provocadas pela ação do homem-econômico; exagero de produtos tóxicos ejetados no meio ambiente como resposta às políticas de crescimento da economia sem o menor respeito aos limites físicos da natureza; a falta de energia e matéria para lidar com as manifestações e os desejos da sociedade de consumo que são cada vez mais intensos.

Percebe-se, assim, que cada vez mais esses fatos apontam para a necessidade de se consolidar um novo modo de pensar a atividade econômica a partir da perspectiva da inserção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos (equilíbrio climático, fotossíntese, oferta de solos, ciclos geoquímicos, água limpa etc) no conjunto da análise econômica moderna, superando o caráter reducionista presente nas análises neoclássicas.

Esse novo modo de pensar a economia está implícito no tema central do século XXI: a construção de um desenvolvimento digno e sustentável.

Essa “nova economia” ao interagir com o meio ambiente, pautada no bom senso e na parcimônia no uso e no trato dos recursos naturais (componentes estruturais dos ecossistemas), adotando, pois, o Princípio da Precaução (cuja função principal é evitar os riscos e a ocorrência de danos ambientais) deve procurar, a seu turno, ser uma ferramenta capaz de fazer os homens enxergarem que uma produção industrial com limites é razoável, uma vez que, mediante isso, é potencialmente capaz de assegurar na atualidade a possibilidade de continuidade da existência de todos, dentro de um planeta saudável, mais equilibrado e ecologicamente harmonioso.

A Ciência Econômica, oportunamente, precisa se pautar no nobre serviço de promover a conservação dos ecossistemas e da biodiversidade de forma ampla, sendo capaz de diferenciar em sua relação com o meio ambiente, o saudável, do nocivo, o lobo (crescimento econômico contínuo), do cordeiro (ecossistemas naturais preservados).

Por isso, a atividade econômica deve ter em conta a seguinte premissa: crescer significa usar o meio ambiente; logo, mais crescimento significa menos meio ambiente.

O que não se pode é aceitar a existência de um fluxo monetário que somente “enxerga” a natureza como uma externalidade, fazendo do crescimento exagerado da economia de mercado fator predominante que acarreta a desfiguração do semblante da natureza.

Esse talvez seja o erro mais imperdoável do sistema econômico moderno: ter transformado a natureza em fonte de lucro. A atividade econômica, pós-industrialização, mercantilizou a natureza e, desde então, não reconhece que a capacidade dessa é limitada para absorver a ganância expressa no consumo desenfreado.

Lamentavelmente, a tradição neoclássica contribui, sobremaneira, para isso, ao defender a prática do crescimento econômico contínuo. Ao mesmo tempo em que reconhece a existência de possíveis problemas decorrentes da degradação ambiental, essa escola postula que crescimento econômico extra é capaz de solucioná-los, bem como aumentar o bem-estar e senso de justiça dentro das sociedades, como apontam Grossman & Grueger.

Pensar a elaboração de uma “nova economia” que respeite as condições da natureza, tendo em conta que sem a natureza não há economia e, evidentemente, não há possibilidade de prosperar as relações da vida é o que de mais urgente precisa acontecer.

Desde tempos imemoriais, a economia tradicional não tem dado a devida importância para a questão ambiental. É de fundamental importância discutir a ideia central de que a economia é um subsistema da biosfera, bem como desenvolver uma consciência que provoque mudanças nos padrões de consumo e produção para assegurar qualidade de vida a todos.

Para tanto, a tradição da macroeconomia precisa incorporar em seu arcabouço teórico a premissa de que os ecossistemas naturais, dada sua finitude, não podem suportar a expansão do sistema econômico.

Concomitante a isso, a Síntese Neoclássica precisa adotar a ideia de que limite não é o mesmo que paralisia. Portanto, é necessário limitar o crescimento da economia, sem com isso estancar o desenvolvimento. Eis um bom desafio que nos espera nos próximos tempos.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br

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