segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Há que se cuidar da amizade e do amor

A relação mais profunda é a experiência do amor. Ela traz felizes realizações ou dolorosas frustrações.

Abraço entre amigos: sentimento que vive do desinteresse.
Por Leonardo Boff
A amizade e o amor constituem as relações maiores e mais realizadoras que o ser humano, homem e mulher, pode experimentar e desfrutar. Mesmo o místico mais ardente só consegue uma fusão com a divindade através do caminho do amor. No dizer de São João da Cruz, trata-se da experiência da “a amada (a alma) no Amado transformada”. Há vasta literatura sobre estas duas experiências de base. Aqui, restringimo-nos ao mínimo. A amizade é aquela relação que nasce de uma ignota afinidade, de uma simpatia de todo inexplicável, de uma proximidade afetuosa para com a outra pessoa.


Entre os amigos e as amigas, cria-se como que uma comunidade de destino. A amizade vive do desinteresse, da confiança e da lealdade. A amizade possui raízes tão profundas que, mesmo passados muitos anos, ao reencontrarem-se os amigos e as amigas, os tempos se anulam, e se reatam os laços e até se recordam da última conversa havida há muito tempo. Cuidar da amizade é preocupar-se com a vida, as penas e as alegrias do amigo e da amiga. É oferecer-lhe um ombro quando a vulnerabilidade o visita e o desconsolo lhe oculta as estrelas-guias. É no sofrimento e no fracasso existencial, profissional ou amoroso que se comprovam os verdadeiros amigos e amigas. Eles são como uma torre fortíssima que defende o frágil castelo de nossas vidas peregrinas. 

A relação mais profunda é a experiência do amor. Ela traz as mais felizes realizações ou as mais dolorosas frustrações. Nada é mais misterioso do que o amor. Ele vive do encontro entre duas pessoas que um dia cruzaram seus caminhos, se descobriram no olhar e na presença e viram nascer um sentimento de enamoramento, de atração, de vontade de estar junto, até resolverem fundir as vidas, unir os destinos, compartir as fragilidades e as benquerenças da vida. Nada é comparável à felicidade de amar e de ser amado. E nada há de mais desolador, nas palavras do poeta Ferreira Gullar, do que não poder dar amor a quem se ama. 

Todos esses valores, por serem os mais preciosos, são também os mais frágeis, porque mais expostos às contradições da humana existência. Cada qual é portador de luz e de sombras, de histórias familiares e pessoais diferentes, cujas raízes alcançam arquétipos ancestrais, marcados por experiências bem-sucedidas ou trágicas que deixaram marcas na memória genética de cada um. 

O amor é uma arte combinatória de todos estes fatores, feita com sutileza que demanda capacidade de compreensão, de renúncia, de paciência e de perdão e, ao mesmo tempo, comporta o desfrute comum do encontro amoroso, da intimidade sexual, da entrega confiante de um ao outro. A experiência do amor serviu de base para entendermos a natureza de Deus: Ele é amor essencial e incondicional. 

Mas o amor sozinho não basta. Por isso, São Paulo, em seu famoso hino ao amor, elenca os acólitos do amor sem os quais ele não consegue subsistir e irradiar. O amor tem que ser paciente, benigno, não ser ciumento, nem gabar-se, nem ensoberbecer-se, não procurar seus interesses, não se ressentir do mal... O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta... O amor nunca se acaba (1Cor 13, 4-7). Cuidar destes acompanhantes do amor é fornecer o húmus necessário para que o amor seja sempre vivo e não morra pela indiferença. O que se opõe ao amor não é o ódio, mas a indiferença. 

Quanto mais alguém é capaz de uma entrega total, maior e mais forte é o amor. Tal entrega supõe extrema coragem, uma experiência de morte, pois não retém nada para si e mergulha totalmente no outro. O homem possui especial dificuldade para esta atitude extrema, talvez pela herança de machismo, patriarcalismo e racionalismo de séculos que carrega dentro de si e que lhe limita a capacidade desta confiança extrema. 

A mulher é mais radical: vai até o extremo da entrega no amor, sem resto e sem retenção. Por isso seu amor é mais pleno e realizador e, quando se frustra, a vida revela contornos de tragédia e de um vazio abissal.


O segredo maior para cuidar do amor reside no singelo cuidado da ternura. A ternura vive de gentileza, de pequenos gestos que revelam o carinho, de sacramentos tangíveis, como recolher uma concha na praia e levá-la à pessoa amada e dizer-lhe que, naquele momento, pensou carinhosamente nela.

Tais “banalidades” têm um peso maior que a mais preciosa joia. Assim como uma estrela não brilha sem uma atmosfera ao seu redor, da mesma forma, o amor não vive sem uma aura de enternecimento, de afeto e de cuidado. 

Amor e cuidado formam um casal inseparável. Se houver um divórcio entre eles, ou um ou outro morre de solidão. O amor e o cuidado constituem uma arte. Tudo o que cuidamos também amamos. E tudo o que amamos também cuidamos. 

Tudo o que vive tem que ser alimentado e sustentado. O mesmo vale para o amor e para o cuidado. O amor e o cuidado se alimentam da afetuosa preocupação de um para com o outro. A dor e a alegria de um é a alegria e a dor do outro. 

Para fortalecer a fragilidade natural do amor, precisamos de Alguém maior, suave e amoroso, a quem sempre podemos invocar. Daí a importância dos que se amam, de reservarem algum tempo de abertura e de comunhão com esse Maior, cuja natureza é de amor, aquele amor que, segundo Dante Alighieri, da Divina Comédia, “move o céu e as outras estrelas”, e nós acrescentamos: que comove os nossos corações.
*Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.

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