A tradição cristã criou a imagem de um início de martírio. As atas dos mártires, as catacumbas, a veneração aos santos mártires dos começos do cristianismo concentraram tanta atenção que os outros mártires, ao longo do século, apareciam heroicas exceções. J. Delumeau, historiador católico, traçou-nos tenebroso quadro do século XX, como aquele em que mais cristãos sofreram o martírio ao longo de toda a história. Portanto, o martírio não pertence unicamente aos tempos antigos, mas com muito mais violência aos dias de hoje.
A América Latina inscreve-se entre os Continentes com maior lista de mártires. E aqui existe terrível e triste novidade. O Império Romano, países ateus ou de outras religiões e confissões viram na fé cristã católica oposição à suas expressões religiosas ou ideológicas. Por isso, desencadearam as perseguições.
Na América Latina, o martírio assumiu outra conotação. Aconteceu em nações tradicionalmente católicas. Casos houve, como no Chile, em que se invocava a salvação da fé cristã para prender, torturar e assassinar cristãos que assumiam posições sociais em nome do compromisso de fé. Estava em jogo, assim o perceberam bem alguns teólogos da libertação, um conflito entre deuses. O sistema capitalista dominante, encoberto com o nome cristão, criou seus deuses que lutavam contra o Deus maior da fé cristã, que entregou o Filho para a libertação dos pobres. Às vezes, infelizmente, até altas autoridades eclesiásticas não perceberam o terrível engodo de apoiar regimes de opressão que matavam fiéis cristãos, considerados por elas como fora da fé católica.
Mons. Oscar Romero encarnou simbolicamente tal situação. A luta contra o regime de morte de El Salvador em nome da fé cristã levou-o à morte martirial. Irmãos seus no episcopado o julgaram movido pela política e por ideologia materialista. Não percebiam as exigências concretas de justiça social como decorrência da fé e as identificavam com a ideologia socialista. Não atinavam para o sujo jogo ideológico das classes dominantes que instrumentalizavam a fé católica para manter-se no poder. Elas perseguiam violentamente a única oposição consistente que vinha das hostes cristãs conscientizadas. Embrulhavam a fé cristã com o papel de sua própria ideologia dominante para persegui-la.
O martirológio cristão na América Cristã cresceu enormemente em virtude da repressão dos governos e forças reacionárias de latifundiários, madeireiras, agrobusiness, mineradoras, etc. Como praticamente os únicos adversários, que enfrentavam, vinham de setores comprometidos da Igreja, sobre eles caía perseguição sangrenta. E a fé sustentava esses fieis simples, camponeses, religiosos/as, sacerdotes e até bispos. Nasce Igreja de mártires nas mãos de “defensores da ortodoxia católica” unida ao sistema dominante. Jesus já não nos advertira que “todo aquele que vos matar, julgará estar prestando culto a Deus” (Jo 16, 2).
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