terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mortes e mortes

Morrer através de eutanásia depende de regras rígidas para qualquer paciente terminal.

Por Lev Chaim, de Amsterdã*

Às vezes, o jornal me surpreende como fonte de inspiração para dramas literários. Médico holandês se suicida após ter sido investigado pela polícia sobre a ajuda a um paciente terminal a morrer com uma dose extra de morfina. Os familiares do paciente estavam contentes, talvez o próprio morto também o quisesse, mas uma assistente do médico duvidou do procedimento e o delatou à polícia.

Com isto, os médicos holandeses irão pensar duas vezes antes de ajudar pacientes terminais a morrer.As regras para se fazer a eutanásia existem.Apenas para citar algumas delas: autorização por escrito do paciente terminal quando ele ainda esteja mentalmente saudável;  da família mais próxima e a opinião de dois médicos independentes sobre o caso. O profissional no caso era o médico da família, o que, absolutamente, não podia.

O fato foi um aviso a todos: na Holanda, morrer através de eutanásia não é fácil e existem regras rígidas para qualquer paciente terminal. “Do contrário, continue vivo”, como muito bem lembrou o escritor holandês, Arnon Grunberg, comentando também o assunto.

Na mesma edição do jornal, nas páginas internas, a notícia de um jovem voluntário da Cruz Vermelha Síria (Meia-lua), que saiu para ajudar as vítimas de um atentando à bomba na cidade de Jaramana.

Kareem Jabour disse até logo aos pais, sem nunca imaginar que jamais voltaria. Um segundo carro bomba explodiu e colocou um fim a sua vida e de seu amigo, Rami.O pai de Kareemdisse que a única coisa que ele queria era ajudar os outros.

Desde o início da guerra civil na Síria, em abril de 2011, mais de 100 mil pessoas já foram mortas; 4,25 milhões de outras estão refugiadas dentro do próprio território sírio; cerca de 1,6 milhão de pessoas já deixou o país; 3,1 milhões de crianças estão em situações precárias, muitas delas sem escolas; e 4 milhões de pessoas estão ameaçadas pela fome. Este balancete foi publicado no jornal holandês, De Volkskrant. Que coisa mais triste, não é mesmo?

A morte por eutanásia na Holanda teve consequência drásticas para o possível médico infrator embora ninguém desejasse o seu suicídio. A polícia queria apenas investigar a denúncia sobre o caso.

As mortes na Síria, cada vez menos, estão na primeiras páginas dos jornais. A mídia, em geral, prefere enfocar o drama político e se esquece dos dramas pessoais dessa guerra civil macabra. Uma intervenção qualquer logo no início do conflito, seja ela de que forma fosse, talvez até  já tivesse ajudado as reivindicação dos rebeldes locais, antes mesmo dos terroristas internacionais terem se envolvido na luta.

Na Síria de hoje, mais do que nunca, vive-se por minuto e cada minuto pode ser o último, tal qual aconteceu com Kareem e Rami, que queriam apenas ajudar no resgate de feridos. Tchau e até a próxima terça-feira.
*Lev Chaim é jornalista, publicista da empresa FalaBrasil, colunista e trabalhou 20 anos para a Rádio Internacional da Holanda, país onde mora. Escreve às terças-feiras no Dom Total.

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