sábado, 19 de outubro de 2013

O papa que desmitifica o papado

Por Matteo Matzuzzi 

"O papa está desmitificando o papado. Fato evidente, questão central em Jorge Mario Bergoglio, mas que, de fato, não é farinha do seu próprio saco". Massimo Faggioli, historiador do cristianismo na University of St. Thomas, de Minneapolis e St. Paul, por definição própria "católico da escola do Concílio Vaticano II", diz ao jornal Il Foglio que Francisco não está fazendo nada mais do que implementar o Concílio. 

Certamente, "ele é muito inteligente, não diz que os seus gestos derivam daí, mas é muito claro". Ele não faz coisas sensacionais, como Paulo VI, que colocou em leilão a tríplice coroa que simbolizava há séculos a autoridade do pai dos príncipes e dos reis, do reitor do mundo e do vigário de Cristo na Terra. Ele ordena que monsenhores e camareiros vários se abstenham de usar expressões barrocas "de augustos lábios" para assinalar que o papa falou. 

"Essas coisas já tinham iniciado há muito tempo, estão em ato há 50 anos", acrescenta o nosso interlocutor. Não são uma novidade. O espanto mostrado pelos perplexos e nostálgicos de tempos idos, no máximo, deriva do fato de que "a desmitificação é realizada por alguém que não tem os títulos para fazê-lo: um jesuíta, um latino-americano, alguém que não tem a formação acadêmica dos seus antecessores. Bergoglio é visto como um ‘socialite’ na história da Igreja. Em suma, é alguém que incomoda. A desmitificação teria sido mais aceitável se tivesse sido feita por alguém como Angelo Scola", por exemplo. 

De todos os modos, "até algumas semanas atrás, no espectro de juízos sobre o Papa Francisco, havia dois extremos: de um lado, aqueles que viam em Bergoglio um papa pós-católico; de outro, aqueles que diziam que nada havia mudado com relação a Ratzinger. Agora, os segundos desapareceram, não se ouvem nem se veem mais. Porque é claro que o jesuíta tomado quase no fim do mundo trouxe novidades". 

Acima de tudo, ele provém de um contexto cultural e geográfico radicalmente diferente daquele em que os seus antecessores se formaram: "Para o catolicismo europeu e norte-americano, o último meio século foi interpretado exclusivamente à luz da secularização, do declínio, da perda de influência na esfera pública. E, consequentemente, o Concílio foi indicado como a causa de tudo isso. Bergoglio, ao invés, tem uma percepção diferente. O seu modo de ver a Igreja não é o mesmo de Ratzinger". A realidade católica latino-americana era quase um corpo separado da ocidental, um mundo diferente, que tinha pouco em comum com a Europa presa do avanço laicista. 

"O aspecto mais interessante de Francisco é que ainda não está claro que tipo de cultura teológica ele expressa", comenta Faggioli: "Por enquanto, pode-se dizer que é uma teologia espiritual, o que significa que a sua visão da Igreja é essencialmente espiritual e pastoral e, portanto, não dogmática, histórica ou sociológica". 

O historiador do cristianismo contesta, porém, que Bergoglio expresse, para usar as palavras do superior da Fraternidade São Pio X, Bernard Fellay, "um relativismo absoluto". Nada disso: "Nós tentamos aplicar ao papa atual uma categoria de matriz ratzingeriana. Francisco, muito mais simplesmente, representa bem os dilemas dos católicos de hoje. Os tradicionalistas dizem que é um papa que excede, que quer falar mais ao mundo fora da Igreja do que dentro da igreja. Eu não concordo". 

O papa, soldado de Inácio, devoto de Pedro Arrupe, "deixa claro o fato de que, na vida de todos os dias do católico, há dilemas e paradoxos. Isto é, há certas coisas às quais não pode ser aplicado um teorema para dizer que dois mais dois é igual a quatro. E isso envolve compromissos, mediações. Isso não é relativismo. É sinceridade, honestidade. Bergoglio é um papa que não tem a pretensão de que as coisas sejam simples, como muitas vezes faziam os seus antecessores". Em suma, a sua abordagem é pastoral, radicada no Concílio. 

Francisco, no entanto, não quer exaltar seu espírito e seus atos. Ele também não se põe o problema: "Ele se tornou padre em 1969 – diz Faggioli –, e para ele, o Vaticano II não é mais matéria de discussão. É um fato. Ele nunca põe em dúvida que a sua Igreja deve ser a que saiu da cúpula ecumênica desejada por Roncalli. Bergoglio não pensa o Concílio como tema de discussão". 

Vê-se isso também a partir da liturgia: "O papa, nesse fronte, usou prudência falando de hermenêutica da continuidade e da descontinuidade. Mas é claro que, para ele, a liturgia da Igreja não pode ser senão a conciliar, apesar das tentativas desta última década voltadas a inverter a rota". E esse é um ponto de ruptura com os antecessores: "Wojtyla e Ratzinger estavam tão ligados ao Concílio que o seu magistério era quase uma sequência". 

Se em São Pedro as multidões tratam o pontífice argentino da mesma forma que uma estrela de rock, jogando-lhe terços, bonecos, bandeiras e camisetas de todos os tipos, a milhares de quilômetros de distância há quem olhe com desconfiança para o novo curso. 

"A Igreja norte-americana é o ponto crítico de Francisco", destaca Faggioli, que supervisionou a tradução da entrevista papal à Civiltà Cattolica para a revista America. "O fato é que a Igreja dos EUA é polarizada como nenhuma outra do mundo. Além disso, Bergoglio tem um conhecimento da realidade anglófona bastante escassa. Basta ver como ele fala da teologia das mulheres. É claro que não é a sua linguagem". 

E esses aspectos não são silenciados, longe disso. "Para Francisco, serão um problema, porque muitas vezes os problemas da Igreja norte-americana repercutem depois sobre a Igreja inteira". E o fato de que "o politicamente correto não é a sua linguagem" não o ajuda.
Il Foglio, 17-10-2013.

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