segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Os jovens órfãos da esquerda brasileira

País começa a se preocupar com violência nas ruas, que se repete a cada manifestação.


Black Blocs: protagonistas de todas as passeatas. (Foto: Arquivo)
Por Juan Arias*  

O Brasil começa a se preocupar com o aumento da violência nas ruas, que se repete e aumenta a cada manifestação popular de protesto. Os grupos violentos costumam ser representados pelos Black Blocs, que agem com os rostos cobertos. No início era um pequeno grupo de não mais 30 jovens que, com seus atos de "vandalismo", acabaram sendo os protagonistas de todas as passeatas pacíficas.

Pegas de surpresa, as forças da ordem demoraram a reagir e ficaram de braços cruzados observando estes jovens violentos destruírem agências bancárias, concessionárias de automóveis de luxo e sedes de instituições políticas em poucos minutos, as quais, segundo eles, seriam “símbolos do capitalismo selvagem”.

Aquele punhado de jovens foi crescendo a cada manifestação e, para os analistas políticos, tem sido a melhor forma de tirar das ruas quem tinha saído para protestar pacificamente. A opinião pública se pronunciou contrariamente aos atos de violência que amedrontaram as pessoas comuns, que já não vão às ruas como em junho passado. A oposição começou a suspeitar que, ao afastar os manifestantes pacíficos, eles estavam fazendo o jogo do governo.

As pressões da sociedade, contudo, foram crescendo e agora a polícia começou a deter estes jovens nas manifestações no Rio e em São Paulo. Além disso, quer aplicar-lhes uma lei muito severa dos tempos da ditadura que pode mantê-los no cárcere por até oito anos.

Porém, ninguém acredita que isso ocorra. O sindicato de professores, por exemplo, aplaudiu o trabalho dos Black Blocs nas manifestações de apoio à greve. Sociólogos e analistas de comunicação chegaram a argumentar que, sem estas ações de violência simbólica e real, as manifestações de junho passado não teriam tido nem a quinta parte do impacto informativo e o governo e o Congresso não teriam respondido como responderam.

A pergunta é: até quando isto vai continuar e o que fazer com estes jovens, órfãos da esquerda, que um dia teve espaço para demonstrar a sua indignação no seio dos grandes partidos da esquerda radical, como o Partido dos Trabalhadores (PT) ou o Partido Comunista.

Hoje, estes partidos se pulverizaram e deram origem a pequenos partidos com sonhos marxistas e até trotskistas, que veem os seus “pais” convertidos em partidos do sistema democrático e liberal tradicional que governam juntos o país. E, juntos, participam da festa da corrupção política.

Hoje, restam apenas pequenos partidos da esquerda radical, como o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), nascido da expulsão de um pequeno grupo de senadores e deputados do PT no primeiro governo do ex-presidente Lula da Silva; o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), um partido marxista revolucionário nascido de outra expulsão do PT, em 1992. São duas bandeiras minoritárias, mas politicamente agressivas, que apoiam os Black Blocs e suas ações de violência simbólica.

Como disse uma militante do grupo, “Estamos lutando por algo que ainda não sabemos o que é”, embora deixe entrever que buscam uma espécie de revolução de um sistema que não aceitam. “Não diria que a revolução é uma realidade agora. Algumas revoluções do pensamento levaram até dois séculos para se concretizarem, mas pode ser que a nossa ação (violenta) seja o começo de algo grande e importante”, disse à agência BBC Brasil uma jovem que se manteve anônima.

Sempre se disse que aos 20 anos os jovens têm e devem ter vocação de revolucionários, e que aos 40 acabam sendo bombeiros. O problema é que a ânsia de mudar as coisas, inclusive pela violência, já não é canalizada por partidos de esquerda, da oposição que lhes dava espaço para protestos nas ruas e até certa militância política. Hoje, estes jovens com vocação política extremista não encontram espaço nos partidos de esquerda de antes.

Há algumas semanas Lula disse que o seu partido, o PT, nasceu unas ruas e deve voltar a elas. Acontece que os jovens, inclusive os do PT, dificilmente sairão às ruas agora para “defender o governo”.

Esther Solano, professora de Relações Internacionais, e Rafael Alcadipani, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirmam em análise sobre os Black Blocs publicada no jornal Folha de São Paulo: “A pergunta essencial que cabe, como sociedade, é por que estes jovens que desprezam a rigidez hierárquica partidária e que não se sentem representados pelo atual modelo político e econômico veem a violência como a única possibilidade de expressão.”

Para estes especialistas, os jovens autores de ações violentas nas manifestações têm entre 17 e 25 anos, são de classe média baixa, a maioria trabalha e alguns estudaram ou estudam na universidade.

A pergunta que se poderia fazer é: como a atual classe política poderá oferecer canais de expressão a estes jovens, que hoje sentem-se órfãos políticos, largados à própria sorte, e que se veem como vítimas da violência policial e do que denominam “violência de Estado”?

Eles argumentam que muito mais violento do que quebrar caixas de bancos que geram milhões é a violência exercida sobre quem precisa esperar horas na fila de um hospital para ser mal atendido ou os meses de espera para começar um tratamento de quimioterapia, enquanto os políticos se tratam nos melhores hospitais privados do país.

Para os analistas políticos, detê-los e tentar relegá-los a prisões abarrotadas de jovens não parece ser a melhor forma de anular a sua presença violenta nas ruas e praças. Eles precisam de espaços políticos. Talvez na nova situação que começa a se desenhar da vontade de fazer política de “um modo novo e diferente”, sepultando a chamada “República Velha” para dar vida à “República Nova” haja lugar para jovens mais inconformados com o sistema. Os políticos e o sistema democrático deveriam ser capazes de encontrar espaços de diálogo e ação política para todos, até para os mais críticos e inquietos.
*Juan Arias é correspondente do El País no Brasil. Tradução de Cristina Cavalcanti

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