Publicidade tem o segundo maior orçamento mundial depois da indústria de armamentos (Foto: Divulgação) |
Marcus Eduardo de Oliveira
Vivemos sob a era da publicidade (atualmente esse segmento é o segundo maior orçamento mundial depois da indústria de armamentos) que cria o desejo de consumir, consubstanciada pelo método da obsolescência programada dos produtos feitos para durarem pouco, forçando assim junto aos consumidores a incidência de novas compras.
Com isso, a sociedade de consumo cria cada vez mais demandas sobre bens de alta futilidade e “vende” à ideia de que a felicidade é fruto da aquisição material. É assim que a economia de mercado, grosso modo, vive: criando deliberadamente necessidades artificiais. Para manter esse “modelo”, o “modus economicus” emprega o meio mais usual: expande o crescimento da economia, promovendo a maximização do consumo, pouco se importando se essa maximização está apoiada na predação e na pilhagem das bases da natureza.
Esse é o paradigma econômico dominante que transformou a natureza em fonte de lucro. Diante disso, algumas indagações se apresentam como pertinentes: i) É possível quebrar a espinha dorsal desse paradigma?; ii) É possível fazer uma economia prosperar sem passar pela etapa do crescimento, sem produzir mais bens e serviços?; iii) É factível melhorar o padrão médio de vida da sociedade desfrutando de um equilíbrio ecológico com justiça social sem necessariamente passar pelo aumento do estoque de produtos à disposição do mercado de consumo?
Respostas a essas inquirições passam, primeiramente, pela necessidade em entender que a economia é limitada pelos ecossistemas. Portanto, há limites para o crescimento, uma vez que a Terra não é capaz de sustentar elevadas produções físicas além das consideradas normais e, crescer, nesse caso, se configura numa condição de destruição ambiental.
Contudo, se concordarmos com a prédica dos economistas convencionais de que os recursos naturais são meras ocorrências de externalidades, que todo e qualquer impacto na natureza em decorrência da atividade produtiva expansiva é uma questão tão somente de ordem periférica e que a inovação tecnológica, num belo dia qualquer, suprirá a atual limitação natural, crescer, nesse caso, é a única receita viável para se alcançar elevados padrões de bem-estar e de melhoria acentuada das condições de vida.
De toda sorte, o debate está posto à mesa. De um lado, os economistas ecológicos pontuam continuamente que os serviços ecossistêmicos não tem capacidade de sustentar a vida nesse ritmo avassalador de consumo, pois as mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, o esgotamento dos recursos naturais estão a caminho da exaustão.
Quem está desse lado do debate pensa a economia no seio da biosfera e se posiciona de forma contrária ao crescimento sem limites, uma vez que isso é potencialmente emissor de gases que aquecem ainda mais o planeta, fruto do desrespeito aos limites biofísicos do meio ambiente, desfigurando assim o semblante da natureza e comprometendo sobremaneira a qualidade de vida humana. Desse lado do debate há o entendimento de que a capacidade de regeneração dos ecossistemas é limitada frente à atividade humana abusiva.
Quem está do outro lado defende que em breve será praticado com eficiência o uso dos recursos, preservando - e não destruindo - a riqueza natural. Para os que acreditam nisso, é justamente o crescimento econômico, vindo da inovação e de tecnologias avançadas, que fará a prosperidade aumentar e, uma vez ultrapassada as fronteiras ecossistêmicas, nada acontecerá de mais grave ao conjunto da vida social.
São muitos os temas mais candentes presente nesse debate: crescimento x desenvolvimento; prosperidade x degradação ambiental; economia equilibrada x ambiente natural desfigurado; necessidades ecológicas x atividade econômica expansiva.
Especificamente quanto ao primeiro confronto (crescimento versus desenvolvimento) somos partidários da ideia de que crescimento não significa (e nunca significou) desenvolvimento. Crescimento é a expansão das bases físicas da economia (fazer mais), o que significa aumentar a pressão sobre os recursos naturais, ao passo que desenvolvimento é assegurar e possibilitar substanciais melhorias nas condições de vida das pessoas (viver melhor).
O primeiro conceito - como é natural supor - se prende ao lado quantitativo; já o segundo se refere ao aspecto qualitativo.
Pois bem. Esses dados são corroborados pelos estudos recentes que indicam que a economia global tem hoje cinco vezes o tamanho de meio século atrás. Continuando com esse ritmo de produção, no ano de 2100 terá 80 vezes esse tamanho.
O fato mais proeminente, contudo, é que lamentavelmente esse exagerado crescimento econômico atingido até agora distribuiu pessimamente os recursos – além de dilapidar o planeta. Atualmente, um quinto da população mundial recebe meros 2% da renda global. Assim, a ideia de prosperar socialmente não encontra fundamento no princípio do crescimento econômico; de um crescimento dilapidador dos recursos naturais e da qualidade de vida.
Prosperar socialmente não pode então estar vinculado à ideia do crescimento da economia a partir do alcance de mais bens e serviços. Logo, não é o crescimento econômico que determina a prosperidade, até mesmo porque a distribuição nunca é feita de forma equitativa. O erro está localizado em dois aspectos: na produção excessiva e no consumo desigual.
Ao menos dois renomados especialistas fazem coro à essa ideia e constantemente tem recomendado modelos econômicos e estilos de vida que priorizam o lado qualitativo.
Peter Victor, o primeiro deles, é o autor de Managing Without Growth . Ao estudar o modelo de desenvolvimento para o Canadá, exposto nessa obra, no decorrer dos próximos 30 anos, Victor assegura que é possível prosperar sem crescer. De que forma? Criando um modelo econômico que seja capaz de equilibrar a capacidade produtiva da economia com o nível de gastos para que haja pleno emprego, sem necessariamente manter a economia expandindo ao longo do tempo. O que o modelo faz é empregar os benefícios de um aumento de produtividade na forma de mais lazer – vida melhor. Nas palavras de Victor: “Assim, podemos nos tornar mais produtivos sem ter de produzir mais, apenas trabalhar menos. Desde que haja distribuição, é possível ter muito menos desigualdade, sem crescimento”.
Outro renomado especialista nesse assunto é Tim Jackson, autor de Prosperity without Growth - Economics for a Finite Planet para quem “os dias de gastar dinheiro que não temos em coisas das quais não precisamos para impressionar as pessoas com as quais não nos importamos chegaram ao fim”.
Jackson afirma que “o mais importante é procurar viver bem, e não viver com mais”. Nas palavras de Jackson “(...) viver bem está ligado à nutrição, a moradias decentes, ao acesso a serviços de boa qualidade, a comunidades estáveis, a empregos satisfatórios. A prosperidade, em qualquer sentido da palavra, transcende as preocupações materiais. Ela reside em nosso amor por nossas famílias, ao apoio de nossos amigos e à força de nossas comunidades, à nossa capacidade de participar totalmente na vida da sociedade, em uma sensação de sentido e razão para nossas vidas”.
Pelo exposto, o debate continua candente. Que possa do confronto dessas ideias emergir soluções capazes de assegurar qualidade de vida a todos nós e ao planeta.
*Marcus Eduardo de Oliveira é economista com especialização em Política Internacional e mestrado em Estudos da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de economia do UNIFIEO e da FAC-FITO, em Osasco/SP. Autor dos livros 'Conversando sobre Economia' (Editora Alínea), 'Pensando como um economista' (Editora EbookBrasil) e 'Humanizando a Economia' (Editora EbookBrasil – livro eletrônico). Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br
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