Tempo em que o Estado tinha obrigação de dar aos cidadãos benefícios pelos impostos pagos.
"Quem diria que anos após o descobrimento índios tivessem que parar cidades em busca de direitos".
Por Ricardo Soares*
Alguns amigos e conhecidos dizem, com razão, que tenho saudades de um tempo em que não vivi. Algo bem próximo da síndrome exposta no filme "Midnight in Paris" de Woody Allen. Talvez, no meu caso, eu quisesse ter vivido na São Paulo dos anos 20, época da eclosão da Semana de 22 para ver Villa Lobos reger descalço, Bandeira declamando "Os Sapos", Mário e Oswald flanando pelo Municipal. Por outro lado meu jeito cítrico de ser talvez se entediasse com aquela oligarquia cafeeira paparicando esses intelectos muitas vezes tão hipervalorizados quanto hoje o são pedantes como Arnaldo Antunes e Lenine.
Mas deixa essa minha língua para lá, pois quero falar que sou de um tempo outro, saudosismo ou não, de um tempo em que não se confundia pensatas aleatórias com crônicas, um tempo de consistência e mais coerência e sobretudo um tempo em que o Estado tinha funções especificas que eram, no mínimo, dar em troca para os cidadãos benefícios merecidos pelos impostos que pagamos.
Esse tempo passou, sobretudo quando percebemos que, se o Estado deveria nos suprir em saúde, transporte, educação e segurança e nada faz chegamos ao absurdo surreal de nos perguntar para que então pagamos impostos. A economia neoliberal, globalização e discurso tucanoíde na presidência de FHC nos fez achar que é normal um Estado esvaziado de obrigações, todas elas privatizadas e entregues à iniciativa privada. Quer segurança cidadão? Pague por ela! !uer boas escolas pra seus filhos? Pague bem caro por elas! Quer saúde? Pague as Golden Cross da vida que embolsam milhões e pagam muito mal os médicos credenciados e ainda, de repente, viram Unimed-Rio sem consultar previamente os pagantes.
Ah!!! e quer transportes? Compre seu carro, pague seu Ipva e sobretudo pague muito ,mas muitooooo pelos pedágios, especialmente se você estiver no "desenvolvido" estado de São Paulo. Afinal a grande herança tucana além de privatizar até banheiros públicos (como no caso da estação Barra Funda do metrô e outros exemplos) foi trazer a noção de "mudernidade" de que se quer o melhor tem que pagar. E ainda falam do grande estadista FHC e seus satélites. Cansei "professor" de a cada 30 kms de estradas paulistas ter que pagar para rodar em benefício dos seus amigos privatistas. Sou de um tempo em que não nos faziam de bobo assim descaradamente.
Mas também não vou ficar aqui a destilar veneno contra o agora imortal FHC, pois o pega pra capar ideológico faz com que todo mundo deixe de ter argumentos. Virou briga de torcida. Se estou atrás do país da delicadeza perdida? Com certeza. Mas ela deve estar por aí escondida entre desvãos de escadas retorcidas, no meio da confusão entre direito e cidadania, deveres e direitos. Na terra do empurrar com a barriga a gente empurra tanta coisa pra cima, conquistas e derivados, mas elas deslizam morro abaixo logo em seguida. Mito de Sísifo perde. Pois quem diria que tantos anos após o descobrimento os índios ainda tivessem que parar as cidades grandes em busca de direitos básicos. Como tudo e como sempre tentamos sempre fazer valer o nosso direito de invasor. Sem pedir "por favor".
Redação Dom Total
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) . Escreve todos os dias também o Diario do Anonimato do Mundo em www.revistapessoa.com.
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