segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Vivemos em um mundo 'ecocida'

Sem a cooperação de nós com a natureza e entre todos os humanos, não há saída eficaz.

Queimada na região amazônica: muito pouco está sendo feito.
Por Leonardo Boff

No dia 27 de setembro as centenas de cientistas reunidos em Estocolmo para avaliar o nível de aquecimento global do planeta, o conhecido Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), nos transmitiram dados preocupantes: Concentrações de dióxido de carbono (CO2), de metano (CH4) e de óxido nitroso (N2O), principais responsáveis pelo aquecimento global, agora excedem substancialmente as maiores concentrações registradas em núcleos de gelo durante os últimos 800 mil anos. A atividade humana influiu nesse aquecimento com uma certeza de 95%. Entre 1951 e 2010 a temperatura subiu entre 0,5ºC e 1,3ºC e em alguns lugares já chegou a 2ºC. 

As previsões para o Brasil não são boas: poderemos ter a partir de 2050 um permanente verão durante todo o ano. Tal temperatura poderá produzir efeitos devastadores para muitos ecossistemas e para crianças e idosos. Os cientistas do IPCC fazem um apelo ardente para que se iniciem no mundo todo imediatamente ações, em termos de produção e de consumo, que possam deter este processo e minorar seus efeitos maléficos. 

Como disse um dos coordenadores do relatório final, o suíço Thomas Stocker: A questão mais importante não é onde estamos hoje, mas onde estaremos em 10, 15 ou 30 anos. E isso depende do que fizermos hoje. Pelo visto muito pouco ou quase nada se está fazendo de forma articulada e global. Os interesses econômicos de acumulação ilimitada à custa do esgotamento dos bens e serviços naturais prevalecem sobre as preocupações pelo futuro da vida e pela integridade da Terra. A percepção básica que se tem ao ler o resumo de 31 páginas é que vivemos num tipo de mundo que sistematicamente destrói a capacidade de nosso planeta de sustentar a vida. Nossa forma de relacionamento para com a natureza e a Terra como um todo é ecocida e genocida. A seguir por este rumo vamos seguramente ao encontro de uma tragédia ecológico-social. O propósito de incontáveis grupos, movimentos e ativistas se concentram na identificação de novas maneiras de viver de sorte que garantamos a vida em sua vasta diversidade e que vivamos em harmonia com a Terra, com a comunidade de vida e com o cosmos. 

Num trabalho que nos custou mais de dez anos de intensa pesquisa um pedagogo canadense e experto em moderna cosmologia Mark Hathaway e eu tentamos ensaiar uma reflexão atenta que incluísse a contribuição do Oriente e do Ocidente a fim de delinearmos uma direção viável para todos. O livro se chama: O Tao da libertação: explorando a ecologia da transformação (Vozes 2012). Fritjof Capra fez-lhe um belo prefácio e a comunidade científica norte americana o acolheu a edição inglesa benevolamente, pois o Instituto Nautilus nos conferiu em 2010 a medalha de ouro em Ciência e Cosmologia. Nossa pesquisa parte da seguinte constatação: há uma patologia aguda inerente ao sistema que atualmente domina e explora o mundo: a pobreza, a desigualdade social, o esgotamento da Terra e o forte desequilíbrio do sistema-vida; as mesmas forças e ideologias que exploram e excluem os pobres estão também devastando toda a comunidade de vida e minando as bases ecológicas que sustentam o Planeta Terra. Para sair desta situação dramática somos chamados, de uma maneira muito real, a nos reinventar como espécie. Para isso precisamos de sabedoria que nos leve a uma profunda libertação/transformação pessoal, passando de senhores sobre as coisas a irmãos e irmãs com as coisas. Essa reinvenção implica também uma transformação/libertação coletiva através de um outro design ecológico. Este nos convence a respeitar e viver segundo os ritmos da natureza. 

Devemos saber o que extrair dela para a nossa subsistência coletiva e como aprender dela pois ela se estrutura sistemicamente em redes de Inter retro relações que garantem a cooperação e a solidariedade de todos com todos e conferem sustentabilidade à vida em todas as suas formas, especialmente à vida humana. 

Sem esta cooperação/solidariedade de nós com a natureza e entre todos os humanos, não encontremos uma saída eficaz. Sem uma revolução espiritual (não necessariamente religiosa) que envolva uma outra mente (nova visão) e um novo coração (nova sensibilidade) em vão procuramos soluções meramente científicas e técnicas. Estas são indispensáveis, mas incorporadas dentro de um outro quadro de princípios e valores que estão na base de um novo paradigma civilizatório. Tudo isso está dentro das virtualidades do processo cosmogônico e também dentro das possibilidades humanas. Importa crer em tais realidades. Sem fé e esperança humanas não construiremos uma Arca salvadora para todos.

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