segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Conectando mentes, criando o futuro

Sem roubalheira nem lei de Gérson, Dubai prepara-se para o seu carnaval particular.



Dubai comemora 42 anos de história no dia 2 de dezembro. (Foto: )
Por Luiz Sérgio Toledo, de Dubai*

Choveu ontem em Dubai. Em qualquer outra parte do mundo isso não é notícia. Aqui nos Emirados a chuva é rara. Em 2007 tivemos só três dias de chuva. A chuva veio da cordilheira que divide Oman dos Emirados, que tem o sugestivo nome the Al Hajar Mountains, ou Montanhas de Pedra. De lá até as praias do Golfo é tudo deserto, dunas e mais dunas de areia, algumas com mais de 100 metros de altura. O país não está preparado para chuva. 

Os telhados das casa tradicionais são terraços sem muita calafetagem. Chove dentro das casas. Nas ruas os bueiros estão cheios de areia do deserto. Tudo se inunda rapidamente. Os limpadores de parabrisa dos carros são ineficientes ou nunca funcionaram. Os motoristas não sabem dirigir na chuva e os acidentes acontecem. As escolas fecham e mandam os alunos de volta para casa. Choveu em Dubai uma chuvinha que em Minas é chamada de “chuva de molhar trouxa”. Aqui é o caos.

A cidade está em contagem regressiva para a Expo 2020. Concorre contra São Paulo e duas outras cidades com menor chance, Izmir, na Turquia e Ecaterimburgo na Rússia. Os Emiratis estão certos da vitória. O hotel Burj Al Arab, aquele sete estrelas, projeta a contagem regressiva todas as noites em sua enorme tela. Faltam cinco dias para a decisão. A proposta de Dubai é ‘Conectando Mentes, Criando o Futuro’. 

Um país que funciona

Vencendo, o país entrará num frenesi de preparação de sete anos, com todos os recursos já alocados e projetos em andamento. A Expo 2020 será um trampolim para o desenvolvimento econômico da região. Até 20 anos atrás ninguém sequer tinha ouvido falar de Dubai. Hoje não há pessoa no mundo que não tenha ouvido. Eles atacam cada projeto com uma vontade de ferro e como não têm que pensar em eleições ou mudanças de governo a cada quatro anos, pensam somente na população e nos possíveis benefícios. 

Aqui não há roubalheira nem lei de Gerson. O governo de Dubai é uma monarquia constitucional, e tem sido governado pela família Al Maktoum desde 1833. O atual governante, Sheikh Mohammed bin Rashid Al Maktoum, é também o vice-presidente e primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos. Dubai nomeia oito membros em períodos de dois mandatos para o Conselho Federal Nacional. O país funciona.

Ontem o governo federal suspendeu uma lei que proibia o aumento dos aluguéis por mais de 5% ao ano. Acreditam que o mercado imobiliário está maduro o bastante para se auto-regular, há casas novas o suficiente para atender a demanda do mercado e não creem que haverá aumento excessivo dos aluguéis. Há gente morando há mais de dez anos na mesma casa e pagando o mesmo aluguel. Desde que aqui cheguei há oito anos o dólar custa 3,65 dirhams para compra e 3,68 para venda. A moeda é estável apesar de todas as flutuações de mercado e das crises dos últimos anos.

Vizinhos difíceis

Como explicar o sucesso de Dubai, um Emirado que não tem petróleo (apenas 4% de sua renda vem do óleo), senão com uma visão de negócio assombrosa. O país atrai negócios. Os aeroportos são gigantescos e funcionam perfeitamente. Muito é devido à situação geográfica da cidade/estado. Fica localizada a meio caminho entre Asia e Europa. 

A Emirates, uma das melhores companhias aéreas do mundo (quando surgiu o jato A380 encomendou 90 unidades) faz ponte entre oriente e ocidente. Vôos da Rússia para a América do Sul e do Norte param em Dubai; vôos do Japão, China e Coréia para a Europa param em Dubai. Em geral com três dias de turismo grátis na cidade, onde os viajantes vão visitar os maiores e melhores shopping centers do mundo. Enfim, business em alto estilo. Mas ninguém duvida que isso está no sangue árabe. Sempre foram ótimos negociantes.

E Dubai tem que viver com vizinhos difíceis, o Irã nuclear do outro lado do Golfo, Afeganistão, Paquistão, Iraque e Iemen. São países onde a Al Qaeda influencia grande parte da população. Recentemente o tribunal dos Emirados Árabes Unidos prendeu 69 Emiratis por até 15 anos sob a acusação de conspiração para derrubar o governo. Eles faziam parte de um grupo de 94 réus, incluindo 13 mulheres. Os acusados estavam ligados a Al-Islah, um grupo com ligações com a Irmandade Muçulmana. Agora está acontecendo aqui o julgamento de 30 acusados de formar uma célula da Irmandade Muçulmana nos Emirados. 

Irmandade Muçulmana

Foi lançado um documentário que mostra como a Irmandade recrutava aliados nas escolas, meninos de 13 anos, que eram levados em excursões escolares ou jogos de futebol. A princípio tudo parecia normal. Depois começavam os encontros noturnos secretos, onde as crianças eram ensinadas a manter tudo em segredo, inclusive dos próprios pais. A chamada "célula da Irmandade Muçulmana" era composta de 10 Emiratis e 20 egípcios, incluindo seis que continuam foragidos. 

Os Emirados apoiaram fortemente a derrubada pelos militares egípcios, dia 3 de julho, de Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, o primeiro presidente democraticamente eleito do país. Os laços entre os Emirados Árabes Unidos, onde os movimentos políticos são proibidos, e o Egito ficaram severamente abalados durante o ano em que Morsi esteve no poder. 

Depois da votação da sede da Expo 2020, dia 27, festa que poderá acontecer, virá a grande festa do Dia Nacional. Em 2 de dezembro o país fará 42 anos. Os carros estão sendo preparados há semanas. É como um corso de carnaval. Eles pintam ou colam adesivos nos automóveis com as cores da bandeira, retratos dos sheikhs e outros temas patrióticos. Há firmas especializadas em aplicar as decorações, caríssimas, que são retiradas depois da festa. Sim, porque o interessante é que o cortejo é de Bentleys, Rolls Royces, Mercedes e Ferraris. Enfim os carros normais que aqui se vê nas ruas todos os dias, mas pintados como se fosse para o carnaval. Só em Dubai.
* Luiz Sérgio Toledo é cirurgião plástico em Dubai, onde mora desde 2005.

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