Uma noite com Cauby Peixoto
Cauby é catarse na sua divina afetação, nos seus ternos berrantes, seus anéis reluzentes.
Cauby e Ângela Maria: parceria que marcou época.
Por Ricardo Soares*
Esbarro com Cauby Peixoto no Youtube. Canta sentado com Fafá de Belém. Volto a esbarrar com ele. Canta de pé com Angela Maria .Depois, sentado de novo, canta com Agnaldo Timotéo e Agnaldo Rayol. Meu lado cabaré aplaude de pé se indigna quando me lembro que no passado não curtia Cauby. Então esse lado cabaré lembra que ouviu Cauby cantar na esquina da Ipiranga com a São João ali no bar Brahma, do lado de onde jorrou uma cena de sangue num bar da mesma São João.
Agora me aplaino e na noite seca de Brasília faço um voo lépido e rasante para a remota avenida Ipiranga e no cenário atual não visualizo o "Avenida Danças" e nem suas táxi girls inebriadas na fumaça dos cigarros e das luzes de neon, as mesmas que iluminaram os crimes esquartejantes de Chico Picadinho. Eita São Paulo dos meus rumores evocados pela voz absolutamente eterna de Cauby, um cantor de gibi, a voz atemporal a rasgar corações nublados, distantes da ex-terra da garoa.
Cauby é bolero, tango, drama, voz rascante, todo ele uma colcha de retalhos que costuram lembranças urbanas. Uma São Paulo ou um país que não mais aflora mas permanece. Permanente. Poderia aqui falar de Angela Maria, a mais completa complementação de Cauby e vice-versa. Mas foco em Cauby. Luzes nele plateia!
Na sua divina afetação , nos seus ternos berrantes, seus anéis reluzentes, suas perucas fixas. Ele é tão emblemático que não cai no ridículo. Ele é um estilo. Uma estética de Fellini do canto, ou um personagem que saiu de um filme de um Fellini caboclo. Ouço Cauby e me lembro dos filmes de Reinchenbach, de Walter Hugo Khoury, até do Person. Ele vem de dentro de uma São Paulo lúdica e imemorial a lembrar que lirismo está ligado a catarse, catarse está ligada a poesia e poesia, mesmo que melancolia, é a eterna celebração dos sentidos. Cauby é poesia em tempos que Lobão é a glosa. E aqui, aplaudindo de novo Cauby de pé, fecho essa prosa.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) . Escreve todos os dias também o Diario do Anonimato do Mundo em www.revistapessoa.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário