Olho a página em branco, tento encontrar palavras positivas, mas não tenho forças. Me explico.
(Foto: Ilustração Max Velati) |
Por Max Velati*
O articulista não tem por contrato a obrigação de espalhar alegria a cada artigo, mas confesso que sempre me obrigo a deixar o meu leitor ao final do texto ao menos um pouquinho mais otimista em relação ao mundo.
Hoje não vou conseguir fazer isso. Peço desculpas. De verdade.
Talvez seja o cansaço de final de ano ou a química implacável de um dia difícil agindo no meu metabolismo. A verdade é que, neste exato momento, olho a página em branco e sinto que deveria registrar algumas linhas positivas, alguns parágrafos de encorajamento, mas não acho forças.
Quem escreve regularmente para a imprensa sabe que um recurso útil para burlar a ausência da Musa é comentar o que está errado com o mundo. Os desvios são tantos e os erros tão espetaculares que basta enfiar a mão no chapéu e tirar um tema qualquer. Depois é só subir no caixote e filosoficamente largar o verbo.
Hoje nem mesmo esse método simples me acode.
Procurando em mim as causas para este desânimo, descubro que, na minha busca por um desvio do Humanismo, fui esmagado pela Matemática. Saí para caçar um sentido filosófico e fui caçado por uma ciência exata.
A imprensa divulgou recentemente que de uma lista de 40 países que mais crescem economicamente, o Brasil está em penúltimo lugar em termos de educação. O ranking foi preparado pela empresa britânica Economist Intelligence Unit a pedido do grupo Pearson.
Penúltimo lugar, senhoras e senhores.
Com esse dado em mente, continuei seguindo na mesma direção e outra estatística divulgada na imprensa empurrou mais fundo o punhal. Os países ricos gastam três vezes mais do que o Brasil em educação. Enquanto investimos cerca de 64 mil reais por aluno dos 6 aos 15 anos, outros países com mais recursos separam 200 mil reais para o mesmo período. A diferença de PIB não serve como desculpa, pois países com PIB menor e investindo até menos do que o Brasil obtiveram melhores classificações em pesquisas internacionais.
Na precisão esmagadora da Matemática, temos que admitir que não apenas gastamos muito pouco, mas investimos mal cada centavo. Estamos distantes de outras nações porque enquanto perdemos tempo preparando discursos bizantinos sobre PIB, renda per capita, dimensões continentais, blá, blá, blá, outros países seguem na dianteira obedecendo a um princípio bastante simples: uma educação de qualidade gera mais recursos para a nação. E basta seguir para o próximo parágrafo e para a próxima estatística demolidora para entender que o problema não está na escassez de recursos.
Uma outra lista saiu na imprensa recentemente e com a precisão dos números ordinais registra o que todos nós já sabemos: o Brasil ocupa a 72ª posição em uma lista de 177 países analisados em relação à percepção de corrupção. A ONG Transparência Internacional avaliou a lista estabelecendo nota zero para países altamente corruptos e nota 100 para as nações muito transparentes. O Brasil fez 42 pontos mesmo com as prisões do mensalão e nosso índice caiu 3 posições desde o ano passado. A Dinamarca fez 91 pontos. O índice brasileiro não registra apenas o nosso desempenho ruim, mas também a nossa enorme dificuldade em melhorar.
Se, no ofício de articulistam, não tenho a obrigação de escrever para alegrar, penso que tenho pelo menos o dever de escrever para fazer sentido. Assim eu me pergunto se um país com altos índices de corrupção tem mesmo interesse em investir muito e bem em educação. Não estou falando de um governo, gestão ou partido...estou falando de um país. Estou falando de nós. E basta seguir para o próximo parágrafo para perceber que o problema, em última análise, somos nós.
Na minha triste jornada pelo mundo dos gráficos e números recebi outra punhalada. Em uma lista também divulgada na imprensa aprendi que o político brasileiro é o segundo mais caro do mundo.
Segundo mais caro do mundo, senhoras e senhores. Perdemos apenas para os Estados Unidos.
Cada congressista brasileiro - eleito por nós, lembre-se! - custa U$ 7,4 milhões de dólares por ano. São 513 deputados e 81 senadores gastando esta fortuna enquanto no Japão cada parlamentar custa cerca de U$ 1,86 milhões de dólares anuais. Destaco que não se trata de um cálculo que considera o número de parlamentares, pois o custo é individual.
Por fim, então, me pergunto novamente se um país com altos índices de corrupção tem interesse real em melhorar a educação. Pergunto ainda se um país mal preparado e corrupto sabe eleger os seus governantes. E pergunto também se esses governantes, quando eleitos, querem de fato melhorar a educação e acabar com a corrupção se foi justamente a educação ruim e um sistema corrupto que permitiram a posição extremamente confortável que conquistaram.
Nada disso tem importância, é claro! A Copa já está chegando!
PS: Enquanto ainda não descobrimos o que fazer em relação a este monte de número 2, a Holanda está aproveitando muito bem o número 1. A cidade de Amsterdã está implantando coletores de urina humana nos parques em pequenos mictórios (com o perdão da palavra). A produção vai fertilizar as fazendas locais em áreas que chegam a dez mil campos de futebol.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.
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