domingo, 22 de dezembro de 2013

Ian McKellen: "Tanto faz Tolkien ou Shakespeare"


Ian McKellen: "Tanto faz Tolkien ou Shakespeare"
O ator britânico afirma que a essência de sua profissão é despir-se dos preconceitos – e lidar com todo tipo de peça e adaptação para o cinema

LUÍS ANTÔNIO GIRON
20/12/2013 07h30

VERSÁTIL O ator inglês Ian McKellen em 2013. Aos 74 anos,  ele atua no teatro  e no cinema, tuíta e mantém um blog. “Eu queria ser jornalista” (Foto: Vera Anderson/WireImage)
VERSÁTIL O ator inglês Ian McKellen em 2013. Aos 74 anos,  ele atua no teatro  e no cinema, tuíta e mantém um blog. “Eu queria ser jornalista” (Foto: Vera Anderson/WireImage)
VERSÁTIL
  O ator inglês Ian McKellen em 2013. Aos 74 anos, ele atua no teatro e no cinema, tuíta e mantém um blog. “Eu queria ser jornalista” (Foto: Vera Anderson/WireImage)

O britânico e Sir Ian McKellen, de 74 anos, é um dos atores mais aclamados do mundo, um dos mais ocupados e um dos poucos capazes de atuar com a mesma autoridade tanto em papéis de fantasia infantojuvenis como em peças de William Shakespeare ou Samuel Beckett. Atualmente, trabalha na divulgação do filme O hobbit – A desolação de Smaug, de Peter Jackson, que estreou em 13 de dezembro. Na produção, McKellen interpreta o mago imortal Gandalf, o personagem mais carismático de O hobbit e da trilogia O Senhor dos Anéis, sucesso mundial no início do século. Ao lado de seu amigo Patrick Stewart, McKellen trabalha também na série X-Men, onde McKellen faz Magneto e Patrick é o Professor X. Um novo filme da série – X-Men: dias de um futuro esquecido – deverá estrear no fim de maio de 2014. Versátil, a dupla também protagoniza dois clássicos do teatro contemporâneo, em Nova York. McKellen vive Estragon e Stewart Vladimir em Esperando Godot, de Samuel Beckett. E eles também interpretam, respectivamente, Spooner e Hirst em Terra de ninguém, de Harold Pinter. O resultado é sucesso de público e crítica. Nesta entrevista, concedida por telefone, de Nova York, Sir Ian estava de excelente humor, mas com a voz cansada por causa dos ensaios.
ÉPOCA – Apesar de sua grande carreira como ator shakespeariano, o sucesso mundial ocorreu com os papéis de Magneto e Gandalf no cinema. O senhor imaginou que um dia seria ídolo das novas gerações?
Ian McKellen – É incrível como os jovens me acolheram como Gandalf. Há 13 anos, quando começamos a filmar O Senhor dos Anéis, Peter Jackson e eu tínhamos consciência da responsabilidade de levar o mundo fantástico de J.R.R. Tolkien para uma nova geração. Peter e eu somos fãs dos livros de Tolkien e tivemos o cuidado de construir o personagem de Gandalf como um modelo. Para mim, ser popular entre os jovens é como um elixir da juventude. Mantenho contato com eles como amigo, não como ídolo.
ÉPOCA – O senhor usa o Twitter e as redes sociais para se comunicar. Como é essa experiência?
McKellen – Usar as redes sociais é o caminho natural de todo mundo. Temos de seguir a onda. O Twitter não serve para dialogar, mas é um instrumento interessante para divulgar coisas que me parecem úteis. Não fico contando tudo o que faço no dia. Tuíto somente às vezes. Já é demais para mim, com a agenda que tenho, para não falar da idade...
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ÉPOCA – O senhor sempre gostou de escrever. A internet influenciou seu estilo?
McKellen – Bem antes do Twitter, fui pioneiro com meu blog no final do século passado. Escrevia diários sobre minhas atividades, e as pessoas já gostavam e comentavam. Escrevo desde os tempos de estudante na Universidade de Cambridge. Meus primeiros textos foram resenhas de espetáculos. Queria ser jornalista, acho uma profissão das mais nobres. Mas o teatro acabou dominando. Mesmo assim, continuo escrevendo, não tanto quanto antes. Escrevo coisas pontuais, para discutir ideias. Estou sem tempo até para tuitar...  

ÉPOCA – Para compor o personagem  do mago Gandalf, o senhor naturalmente releu O Senhor dos Anéis e O hobbit. A leitura ajudou na criação de Gandalf?
McKellen – Claro que reli Tolkien, porque está tudo ali. Gandalf é um personagem interessante, mas bem menos complexo que, por exemplo, o Rei Lear, que fiz no palco. Para mim foi fácil criar o personagem. Principalmente porque contei com a ajuda dos figurinistas e do designer John Hall. Ele criou um Gandalf marcante, com seus cabelos brancos, o gorro e o manto. Bastou vestir a peruca e o manto para acontecer a metamorfose. Não precisei fazer o mínimo esforço para viver o mago. E isso foi uma criação dos designers, com uma modesta colaboração minha. O Gandalf do cinema é muito diferente do descrito por Tolkien. O Gandalf de Tolkien tem sobrancelhas tão bastas que caem por sua face. Ele é mais grotesco, vamos dizer assim, uma figura de literatura infantojuvenil de outros tempos. Para atrair os jovens de hoje, dei ao personagem uma dose de humor e traquinagem que Tolkien não teria feito – e não sei se ele concordaria com a mudança. Gandalf adora os hobbits, mas prega peças neles, com um prazer levemente sádico – sem deixar de ser o mago bondoso e extraordinário que é. Sou parecido com Gandalf na ironia e no humor. Ele é capaz de rir de si mesmo. Só não faço milagres nem sou imortal.
"Sou parecido com Gandalf na ironia e no humor. Ele é capaz de rir de si mesmo. Só não faço milagres" (Foto: Mark Pokorny)
ÉPOCA – Peter Jackson é quase o representante de Tolkien na Terra. Como é trabalhar com ele?
"Sou parecido com Gandalf na ironia e no humor. Ele é capaz de rir de si mesmo. Só não faço milagres" (Foto: Mark Pokorny)
McKellen – Ele tem ideias muito precisas sobre os personagens, porque é um dos grandes conhecedores de Tolkien, pois leu todos os livros dele, de cabo a rabo. Mesmo assim, dá liberdade ao trabalho de composição do ator.  É uma parceria enriquecedora. Peter tem um desafio difícil: encompridar as aventuras de um livro pequeno como O hobbit. Por isso, acrescenta personagens e ações para que a tapeçaria de Tolkien caiba numa parede inteira.
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ÉPOCA – Qual a mensagem mais importante da obra de Tolkien?
McKellen – Lia Tolkien quando era pequeno. Posso dizer que o conheço profundamente, embora nunca o tenha encontrado em pessoa. O aspecto mais evidente é sua fantasia e sua arte de narrar aventuras espetaculares, capazes de transportar os leitores para mundos inimagináveis. Precisamos entender que ele é antes de tudo um escritor marcado por duas guerras mundiais. Escreveu O hobbit (1936) entre as guerras, e a trilogia O Senhor dos Anéis ao longo da Segunda Guerra Mundial. Veio a publicar os livros em meados dos anos 1950. A mensagem dele nesses dois romances, um fantasioso e outro alegórico, é pacifista. A violência precisa ser evitada a qualquer custo. Ambição e cobiça transformam o indivíduo num monstro, e isso leva à violência e às consequências imprevisíveis advindas dela. A obra de Tolkien preconiza a reconstrução dos valores éticos num mundo à beira do abismo. Daí o apelo que tem até hoje, ampliado pelos filmes.
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ÉPOCA – No palco, o senhor se destacou numa variedade incrível de papéis, de Marlowe e Shakespeare a Samuel Beckett e Harold Pinter. O senhor é capaz de fazer Macbeth e, ao mesmo tempo, defender papéis contemporâneos e sarcásticos, como em Esperando Godot. Isso para não falar que leva tudo isso ao cinema. Qual autor foi mais importante para o senhor?
McKellen – Adoro cinema, me encanto em como os filmes são repletos de intrigas que o teatro não é capaz de abarcar. Tenho o maior prazer de fazer papéis como Gandalf. Tanto faz Tolkien ou Shakespeare. Para mim, não importa se é um clássico ou um autor moderno, ou mesmo Tolkien. Obviamente, Shakespeare é o autor que me forneceu todos os elementos de que preciso para atuar, além da mensagem profunda de sua arte. Ter interpretado o papel de Rei Lear, como fiz, foi uma experiência avassaladora, que altera sua forma de representar. Mas não me restrinjo a um tipo de teatro. É um desafio para mim fazer Terra de ninguém, de Harold Pinter, e Esperando Godot, de Samuel Beckett. Outro autor desafiador que amo é Anton Tchekhov, cujas peças são universais e aparentemente fáceis de representar. Mas, quando você trabalha os personagens, sente na carne a complexidade da arte dele. Representar A gaivota em Londres foi uma das grandes experiências teatrais de minha vida.
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ÉPOCA – Nas peças Esperando Godot e Terra de ninguém, o senhor divide o palco na Broadway com  Patrick Stewart. Como é a reunião de Magneto e Professor X num palco de “teatro sério”?
McKellen – Patrick e eu somos amigos de muitos anos. Eu próprio oficiei o último casamento dele. A gente se entende tanto em cena como discute e se diverte no camarim. Nosso encontro na Broadway tem um caráter de intimidade que a produção de X-Men talvez refreie um pouco. Os ensaios têm sido uma oportunidade de nos reencontrar em coisas que tínhamos deixado de fazer juntos, como o teatro propriamente dito. Somos tão populares por causa do cinema, que os fãs de X-Men vêm nos pedir autógrafos na saída do teatro. Outro dia, uma garota brasileira veio pedir autógrafos e disse que já tinha comprado as entradas para os espetáculos com um mês de antecedência. Isso é popularidade, não? 

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