domingo, 15 de dezembro de 2013

Mal educados por falta de leitura

Os que mandam nos países devem assumir a leitura como tarefa prioritária de sua função pública


Ler é uma sorte e uma obrigação. É um caminho para curto para chegar até o outro
Por Juan Cruz*  

Fomos muito mal educados. No meu colégio, me faziam aprender de cor as biografias dos escritores, e isso me levou a odiar Lope de Vega, Menéndez Pelayo e Azorín, até que comecei a ler, precisamente Azorín. Outro dia, na Feira do Livro de Guadalajara, Juan Villoro contou que começou a ler sendo conduzido a Homero e Cervantes. Às vidas deles? Não, a suas obras. Isso ampliou minha imaginação, disse; senti, afirmou o escritor, que estava chegando sem andar a lugares aonde seria impossível que eu fosse caminhando. José Ovejero, espanhol, da idade de Villoro, em torno de 55 anos, começou a ler, disse, o Buscón e o Lazarillo, até que abriu sua mente com Histórias de Cronópios e Famas. 

Felizes deles; nós fomos educados de forma pior, porque a leitura não era uma prioridade na escola, deixou de ser uma prioridade no ensino médio, e só nos salvou a Universidade (no meu caso) graças à insistência de um filósofo, o senhor Emilio Lledó, que deixava de lado as biografias e nos fazia rebuscar as ideias. Ele contou outro dia na Biblioteca Nacional: essa sua paixão pelo comentário de textos, pela leitura ativa, vem do seu professor republicano de Vicálvaro.

Que sorte é ler. Na mesma feira mexicana, o escritor israelense David Grossman disse que assim que pôde ler, já que na sua casa não se lia, começou a entender o que acontecia no seu país e na sua vida. Ler para entender. Para saber mais, mas não necessariamente para saber mais do que outros, e sim para entender os outros. Grossman disse que lendo o outro você aprende a ajudá-lo a ficar perto de você, mesmo que seja seu inimigo, e ele sabe do que fala, pois vive onde a terra, a água e o ar são disputados sem trégua e sem ânimo de reconciliação. Ele trabalha, a partir da palavra escrita, da leitura e dos seus livros, a favor de que um dia esse inferno seja um lugar comum da terra.

Ler é uma sorte e uma obrigação; quem manda nos países deve assumir isso como uma das tarefas prioritárias da sua função pública. Na Espanha, por exemplo, os sucessivos ministros da Educação, e agora o último deles, costumam levar as mãos à cabeça diante da nossa nota ruim no Relatório Pisa. Depois de colocarem as mãos na cabeça deveriam colocar mãos à obra: a mãe do saber é a leitura, aí estão os prolegômenos decisivos da vida; e não só em ler, em virar uma página depois de outra, mas também no ensino da leitura, no comentário do texto, o instrumento essencial para que o entusiasmo de ler seja o entusiasmo de saber. 

Em Guadalajara, de onde acabo de chegar, havia moços e veteranos procurando autores e livros, autógrafos e debates, em meio a um silêncio de biblioteca. Um atendente pediu meu gafete (credencial) para entrar e comprar “os livros deste ano”. O México está como a Espanha no Pisa; este não é o campeonato futebolístico das nações que leem mais ou menos. Basta que um indivíduo não saiba que ler é o princípio básico da vida para que um país se considere fracassado. E o nosso país [Espanha] tem muitos milhões de fracassos. Ponham mãos à obra, resgatem o livro desse posto efêmero onde os políticos o colocam quando pensam no inquietante futuro.
*Juan Cruz é correspondente no México do El País, onde este artigo foi publicado originalmente
Dom Total 

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