sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

O espírito da coisa

O espírito da coisa não está nas coisas. Natal é uma festa de pessoas, não de consumidores.



(Foto: Ilustração de Max Velati)
Por Max Velati*

O Natal chegou.

É claro que a empresa onde você trabalha está organizando uma festa de "amigo oculto". Parece uma idéia genial, um modo bacana de aproximar os funcionários e coisa e tal.

O "amigo" que saiu para você é praticamente um desconhecido. Já se esbarraram nos corredores e no elevador trocaram meia dúzia de palavras, mas foi só isso. Agora aí está você perambulando pelas lojas com a responsabilidade de comprar para este ser humano que mal conhece  um presente de Natal. A solução é uma lembrancinha sem cheiro, sem gosto e sem cor. É um presente porque está embrulhado em papel colorido e há um laço de fita, mas é um pacote sem nenhuma mensagem, vazio de significado oculto ou explícito. Para não ser mal interpretado o melhor é não dizer coisa alguma.

Vá em frente e compre qualquer bobagem. É o que todo mundo faz, não se preocupe.

A pessoa que saiu com o seu nome também está perambulando agora pelas lojas e também vai optar pelo presentinho insípido, incolor e inodoro.

Os fabricantes de quinquilharias dão graças aos céus pela invenção do "amigo oculto". Do ponto de vista comercial, esse ritual vazio é uma benção, pois tira das prateleiras os produtos que ficariam encalhados se todo presente precisasse ter um significado. A propósito, meu favorito para esta ocasião é o porta-retrato e conquistou o seu espaço depois do desgaste natural do par de meias e da gravata barata. O CD tem sido uma opção comum, mas tem perdido terreno com a pirataria. Meu conselho é que fuja do "vale-presente", a preguiça diplomada, o certificado impresso do seu descaso, a prova material de que você não se deu ao trabalho sequer de escolher uma bobagem.

Mas tenho outro conselho muito mais polêmico: estrague a surpresa. Sacrifique o oculto para dar lugar ao amigo.

O mundo não vai mudar pelas grandes revoluções e pelos grandes gestos. Minha opinião é que as coisas importantes mudam pela constância e não pela escala. Pelo menos é essa a lição que a Natureza nos dá. Assim, para todos os anos proponho um pequeno gesto que fere o ritual do "amigo oculto" naquilo que em geral se considera o mais importante: o mistério do quem saiu com quem. Acabe então com o mistério para deixar espaço para o Natal entrar. Meu conselho é que procure o seu amigo oculto. Explique que é você quem tem a difícil tarefa de encontrar um presente e gostaria que fosse uma lembrança que tivesse algum significado, algo que fosse útil, que valesse a pena. Não peça uma lista, mas ao menos pistas, áreas de interesse, setores da vida. Não precisa acabar com toda a surpresa, mas o presente na verdade é o seu interesse real por um ser humano que divide a vida com você no espaço onde ganham juntos o pão.

O Natal não é vermelho, não pertence a uma fábrica de refrigerantes e nem deve continuar a ser um carnaval de gastos como se pudésemos comprar com o cartão de crédito a boa-vontade entre os povos. O Natal é uma festa de pessoas e não de consumidores.

O espírito da coisa não está nas coisas.

Feliz Natal para você, de coração, por tudo o que o Natal significa de verdade.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.

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