Pesquisa recente com 1250 jovens poloneses mostra que metade é antissemita.
Repúdio aos judeus se alastra por toda a Europa. (Foto: Arquivo) |
Por Lev Chaim, de Amsterdã*
A metade da população polonesa odeia judeus. Não é um antissemitismo público, mas íntimo e ao mesmo tempo massificado, porque se trata da metade da população. Isto foi dito pelo sociólogo, sinólogo e antigo adido comercial da embaixada polonesa em Pequim, MichalKorzec. E ele acrescentou ainda: "Se você perguntar a um polonês se ele é antissemita, ele nega. Eles só se revelam entre eles".
No ano passado, foi realizada uma pesquisa com 1.250 jovens estudantes, entre 18 e 19 anos, em escolas da capital polonesa, Varsóvia, onde se perguntou a posição pessoal deles sobre os judeus, que durante a Segunda Guerra Mundial, foram exterminados em massa no país, até mesmo com a ajuda dos próprios poloneses. A metade disse que era antissemita. Dai, se deduz que, atualmente na Polônia, "ser antissemita" entre os jovens tenha algo a ver com "cool", legal, como se tudo fosse uma brincadeira.
Se examinarmos o repúdio aos judeus na Europa, hoje em dia, na Holanda e na Noruega, ele atinge a taxa de 10% da população e 20% na Alemanha. Na Polônia, 50%. A França é um caso extra que, logo mais, volto ao assunto. Com o resultado da pesquisa, os jornais poloneses deram manchetes garrafais: "Chocante". Alguns até questionaram a utilidade de lições sobre o holocausto nas escolas do país. Mas, o povo, a metade do povo polonês, continuou em silêncio.
Dentro da União Europeia (UE), a Polônia é um dos países com menos registros oficiais de antissemitismo. Com isto, o país se promove em Bruxelas, sede da UE. Mas, funcionários em Bruxelas disseram que aquilo era verdade, mas acrescentaram: “ Isto não prova que a Polônia seja o país menos antissemita da Europa, pelo contrário: é o país com o maior número de antissemitismo não registrado oficialmente”.
Chocante? Então, escutem mais esta. O antissemitismo polonês não ocorre apenas entre os de baixa renda e baixo nível educacional. Na verdade, ele está disseminado na própria “cultura” polonesa - uma cultura xenófoba. O antigo adido comercial polonês em Pequim, Korzec, em uma viagem de trem pela Polônia, ouviu de uma senhora, em alto e bom som, que Hitler deveria ganhar uma estátua pela sua atitude contra os judeus. Ninguém retrucou nada e nem ele próprio se atreveu a dizer alguma coisa.
A pesquisa entre jovens estudantes poloneses revelou a tendência geral. Especialistas em Europa do Leste disseram que os poloneses têm uma espécie de “DNA cultural” antissemita e em maior número do que na própria Alemanha nazista. Horrorizados? Sim! O que fazer? Combater? Mas como? Não se sabe ao certo, quando até mesmo o próprio antigo presidente polonês, Lech Walesa, durante a campanha presidencial de 1990, repetiu seu slogan infinitas vezes: “Sou um polonês puro”, ou seja: “Não sou judeu”.
De acordo os livros históricos, isto acontece na Polônia desde a idade média, quando os judeus eram proeminentes na formação e funcionamento do Estado. No século 18, com a desintegração do Estado Polonês, esses privilégios se evaporaram e os judeus se tornaram pobres, desanimados. Essa desanimação foi que originou o antissemitismo no início do século XIX, na Polônia. Antes, os judeus eram temidos pelo seu poder, depois, odiados pelo seu desânimo e fraqueza. Muitos poloneses julgam que os judeus já há 800 anos abusam de seu país. O que fazer contra esta racista, infantil e odiosa percepção?
Na França, a coisa segue um rumo parecido. O cômico francês, de origem camaronesa, Dieudonné M’bala M’bala, já condenado vários vezes por antissemitismo, inventou um gesto com o braço que lembra a saudação de Hitler. Depois de marcar um gol no campeonato inglês, o jogador francês, Nicolas Anelka, fez o mesmo gesto e virou manchetes nos jornais. Ai então, outros europeus se deram conta desta nova (ou velha) onda de antissemitismo na França.
Devido à controvérsia e o medo do alastramento destas ideias junto aos imigrantes e descendentes muçulmanos no país, o presidente francês, François Hollande, e seu ministro do interior, Manuel Valls, proibiram os shows do comediante racista, nas cidades francesas de Nantes, Bordeaux, Tours e Orléans. Em Nantes, já haviam sido vendidos cerca de 6 mil ingressos, principalmente entre os imigrantes estrangeiros.
Os franceses reagiram divididos. Muitos aprovaram a anulação dos shows deste controverso homem, que é amigo e apoia a ideia de que o Holocausto tenha sido uma invenção judaica, mas outros não. Os que não apoiaram a proibição dos shows alegaram que deve se levar em conta a liberdade de expressão no país. O próprio cômico racista, de 47 anos, anunciou que vai brigar na justiça contra a proibição de seus shows.
Tudo isto está causando comoção na França, país que colaborou com os nazistas na perseguição aos judeus. A líder do partido de ultra-direita,“A Frente Nacional”, Marine Le Pen, por exemplo, que está crescendo nas pesquisas de intenção de voto, pouco comentou a atitude do comediante, mas preferiu atacar veementemente a atitude do ministro francês do Interior, de proibir os shows daquele senhor, que até mesmo compôs uma canção a respeito da Shoananas - uma mistura de holocausto com abacaxi, seu símbolo preferido.
As autoridades polonesas, devido a complexidade da situação, onde se nota um antissemitismo embutido e forte, de uma certa maneira, porta-se exemplarmente falsa. Condena fora do país o antissemitismo mas nada faz de efetivo para erradica-lo do país. Já as francesas, com a proibição dos shows do comediante racista, receberam os meus aplausos mais calorosos.
Deixar a boca livre de antissemitas, negadores do holocausto, em nome da liberdade de expressão, nada mais é que uma coisa retórica e sem sentido. Se ele faz uma coisa que é proibida pela lei, ele é que tem que ser punido e não o governo, como está querendo fazer crer Marine Le Penn, cujo pai, Jean-Marie Le Pen, fundador do partido, é padrinho do filho mais velho dotal comediante.
Esse cômico francês, mulato, imbuído de uma infantilidade a toda prova, não se atém de forma alguma aos fatos históricos e culpa os judeus, entre outros, pelo mal do país. Será que ele não leu a história que narra que o imperador Luís XIV, em 1685, ao assinar o Código Negro (CodeNoir), que regulava a vida escrava nas colônias francesas, deixou de lado os judeus, como inimigos dos cristãos? Na verdade, os judeus já estavam há tempos integrados na vida das ilhas e tinham o mesmo ponto de vista das vítimas, ou seja, dos escravos e contra a política oficial francesa.
Para o cômico francês antissemita, contra brancos e mulheres independentes, a verdade histórica é o que menos importa, desde que ele possa ir adiante com suas graças infantis e nem por isto menos perigosas. O seu ódio é maior que o seu respeito pelos fatos e pela verdade. No início de sua carreira, Hitler também foi visto como um palhaço.
Por essas e por outras, é que sou contra a posição do ensaísta e escritor francês, Pascal Bruckner, quando ele disse que a proibição dos shows de Dieudonné teve efeito contrário e o tornou famoso internacionalmente. Quem me dera se isto tivesse acontecido com Hitler. Antes um Hitler famoso e limitado, do que poderoso como o foi, justamente porque não foi detido há tempo.
Com isto, mais uma vez eu repito o que já havia escrito antes, em outros artigos: “Talvez o irlandês Edmund Burke tivesse razão quando afirmava que o mal só triunfa quando os homens de bem nada fazem” (obrigado João Pereira Coutinho, pela lembrança). Querer fazer dos judeus o bode expiatório do mal no mundo, não. Eu escrevo e delato o fato. E você, homem de bem: qual é a sua posição?
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Rádio Internacional da Holanda, país onde mora. Escreve às terças-feiras no Dom Total.
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