segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Brasília, dimensão paralela

Capital federal é a cidade do paradoxo, onde o místico passa toda hora, sobrevoando o horizonte.



Em que cidade a história recente atropela todos os dias os cidadãos? (Foto: Arquivo)
Por Ricardo Soares*

Esvaziada de si mesma, de sua importância ou peso, a Brasília dos cartões postais é mesmo muito estranha, quando vista assim deserta numa manhã de domingo da janela de um hotel do setor hoteleiro.Se nessa cidade tudo tem um "setor" deveria também ter o setor do estranhamento, do improvável, do quase etéreo. Brasília é também a cidade do paradoxo. O místico passa toda hora, sobrevoando o horizonte, ao mesmo tempo que o materialismo corrói as estruturas. 

É uma cidade espremida de gente por todos os lados, nos seus entornos e periferias, e que ao mesmo tempo nos desola com seus amplos espaços desertos. Aqui o forasteiro se sente meio que deslocado de seu próprio corpo. Numa dimensão paralela onde não se acha e de onde se enxerga. De novo o paradoxo. Fico aqui a imaginar se Juscelino Kubitscheck não teria sido inspirado por extraterrestres ao imaginar colocar uma capital aqui.Com que intuito ? talvez  apenas com a intenção de que aprendamos a conviver com nossos extremos.

Problema que em Brasília os extremos muitas vezes não se tocam. O meliante de terno e gravata, acobertado e impune, residente em penínsulas e lagos mal enxerga os zumbis que o crack despeja todos os dias nas superquadras e que são sim apontados como os verdadeiros meliantes. Ou seja existem os meliantes aceitos e os não aceitos. Os impunes e os sempre culpados.

Por outro lado, em que cidade do mundo moderno você se vê quase numa ilha deserta num fim de ano onde todos parecem ter sido abduzidos? Em que cidade se colhem mangas e jacas que caem no chão, perto dos automóveis? Em que cidade, a história recente atropela todos os dias os cidadãos? Na minha vida profissional, desde 1981 venho a Brasília a trabalho. Até vir morar aqui o máximo que tinha ficado na cidade era um mês. Dessa vez ancoro. Deploro e amo, rejeito e abraço. Brasília é um paradoxo mesmo. Uma dimensão paralela.
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor, entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente, é diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

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