segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Na cama com Gore Vidal

Uma biografia penetra no lado secreto de um dos intelectuais mais influentes do século 20.



O escritor Gore Vidal, amante de homens e mulheres (Foto: Arquivo))
Por Marco Lacerda*

 Numa entrevista que fez com Gore Vidal, em 2009, para The Times, o jornalista Tim Teeman perguntou ao escritor se ele era feliz e ouviu como resposta: “Não chame nenhum homem de feliz até que ele morra”. A frase marcou Teeman que, como tantos outros jornalistas, ficou impressionado com a imensidão do personagem, sua autoridade e fachada, mesmo que na época já havia começado o declínio de Vidal, morto em julho de 2012.
Não muito depois um editor entrou em contato com Teeman e perguntou-lhe se ele gostaria de escrever um livro sobre a vida privada de Gore Vidal. “Na entrevista falamos de sexo e de sua vida privada”, conta o jornalista que atualmente trabalha para o New York Times. O título do livro , ‘Na cama com Gore Vidal’, publicado pela editora Magnus, tem duplo sentido – tanto sexual como pessoal, pela intimidade com que Teeman pode penetrar em territórios pessoais e revelar o que pensava e motivava Vidal.
O resultado é uma obra que entra sem pudores na vida do escritor. Aborda sua homossexualidade (um capítulo inteiro é dedicado a Howard Austen, seu parceiro durante 53 anos), sua personalidade polêmica, suas relações com mulheres (“muito profundas, mas não sexuais”, sua paixão pelo poder, seus devaneios políticos e, em definitivo, consegue retratar como nunca a pessoa além do mito. “Gore sempre disse que era bissexual, mas na verdade era homossexual, compartilhou quase toda sua vida com outro homem e na idade adulta só dividia sua cama com pessoas do mesmo sexo”.
Encantava-lhe o sexo com garotos de programa sempre praticado segundo condições impostas por ele. Ao longo das 279 páginas do livro o leitor descobre que o escritor manteve relações sexuais com estrelas de Hollywood como Rock Hudson, Tyrone Power e Charles Laughton. Escrevia de manhã e, à tarde, mantinha relações sexuais. Bebia muito o que, no final da vida, tornou-se um problema grave. Isso, combinado com a demência de que foi vítima nos seus últimos anos, o levou a depreciar sua família e amigos mais próximos. “Sua decadência foi suja e triste”, afirma o autor do livro.
Antes de chegar a esse ponto, porém, as pessoas mais importantes de sua vida foram o amante de longa data, Claire Bloom, Paul Newman, Joanne Woodward e Muzius Gordon Dietzmann. Teeman conta que lhe encantava debochar sobre a existência de um ‘comitê secreto’ onde as celebridades hollywoodianas (entre as quais Marlon Brando) dedicavam-se a novas experiências sexuais.
Em 1948, conheceu Tennessee Williams em Roma por quem se sentiu imediatamente atraído, embora o sentimento não fosse recíproco. Na época, depois de uma festa, Williams o convidou para ir à sua casa e Vidal respondeu: “Não seja tão macabro”. Sentia-se mais atraído por machões tipo Paul Newman e John Fitzgerald Kennedy (com Jacqueline manteve uma relação estreita só comparável à que teve com Hillary Clinton).
Gore e as mulheres
Quanto às mulheres, conta o jornalista, uma vez perguntei a Gore se tinha ido para a cama com Anais Nin e ele disse que sim, mas que não gostou e jamais a considerou uma de suas conquistas. “É preciso desfrutar para que seja real”. O problema é que para ela, sim, havia sido real e Nin acabou desconsoladamente apaixonada, como contou numa carta a um jornalista em 1974, na qual referia-se a Vidal como um hipócrita.
Teeman afirma que Vidal nutriu o amor de toda uma vida a Joanne Woodward (chegaram a planejar o casamento), mas logo descobriu que, de fato, amava o marido da atriz, Paul Newman. Gore amava as estrelas de Hollywood e adorava relacionar-se com esse universo. Escreveu roteiros e programas de TV, chegando a cometer audácias (em ‘Ben-Hur é notória a cena homossexual entre o protagonista e Mesala).
Chegou a atuar em filmes menores como ‘Gattaca’ antes de mudar-se para Nova York atraído pela agitada vida cultural da cidade. Não durou muito. Logo embarcaria de mala e cuia para a Itália. Não suportava a idéia de que Truman Capote tivesse se transformado no ‘rei literário’ de Manhattan. Em Ravello, comprou uma mansão espetacular onde instalou um telescópio que apontava diretamente para a piscina de Rudolf Nureyev para conhecer de perto cada curva do corpo do bailarino.
Fosse na Itália, em Nova York ou Hollywood Vidal jamais abandonou suas ambições políticas, herdadas do avô que fora senador no passado distante. Foi convidado por JFK para o Ministério da Cultura e candidato ao Senado americano em duas ocasiões, mas não se deu bem. Era um dos comentaristas políticos mais mordazes e brilhantes porque estava impregnado da cultura do seu passado. Tinha um conhecimento assombroso da História.
Em definitivo, como sustenta o autor do livro, Gore Vidal era um homem complexo. “Sua atitude em relação à sexualidade era filosófica e genuína, e estava enraizada em sua educação, sua geração, sua classe social e sua idéia de que gay, na época, correspondia a uma marginalidade sem poder, duas coisas das quais Gore fugia como o diabo da cruz. Era o mestre de sua própria invenção, gostava de parecer frio e ter tudo sob o seu controle.
Era arrogante, mas tão brilhante que sempre parecia natural e correto. Há quem pense que acabou enredado na armadilha de seu próprio personagem, mas era cálido, amável e um grande apoio para as pessoas que o cercavam. O alcoolismo e a demência acabaram por afastá-lo das amizades que mais prezava. Nem por isso deixou de declarar numa entrevista que gostaria que seu epitáfio fosse: “Quando eu morrer levarei todos vocês comigo”.
Quando entrevistou Burr Steers, sobrinho de Vidal, para o livro, o autor da biografia póstuma descobriu que seu personagem mudou seu testamento, pouco antes de morrer, deserdando a própria família. Vidal deixou todo o seu legado, avaliado em 37 milhões de dólares, para a Universidade de Harvard.
Encontro com Gore Vidal - Veja o vídeo.

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