Quando a espionagem deixa de ser secreta, como acontece agora, ela se modifica para continuar secreta.
(Foto: Ilustrações Max Velati.) |
Por Max Velati*
O jovem Edward Snowden sabia que suas revelações sobre espionagem teriam grande impacto na política internacional e causariam um desconforto transatlântico. Mesmo assim, duvido que ele acredite que uma das consequências do vazamento dos documentos seja a imposição de limites nos procedimentos da NSA, a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos.
A imprensa mundial tem noticiado a posição americana em relação ao assunto e todas as declarações até aqui foram técnicas; frases desenhadas para dizer e não dizer ao mesmo tempo, para afirmar e reafirmar compromissos vagos e reticentes. No caso do Brasil, a resposta americana foi tão vaga que chegou a ser ofensiva. Na dança diplomática, o presidente Obama pisou no pé de Dilma, não pediu desculpas e seguiu valsando como se nada tivesse acontecido.
A notícia mais recente é a promessa de Obama de rever os métodos das agências de inteligência e escrevo este artigo apenas para dizer a você duas coisas: a primeira é que você não deve acreditar nisso, pelo menos não da forma como a notícia foi divulgada. Não faço esta declaração porque não confio no governo americano. É pior do que isso: eu simplesmente não confio em governos e desconfiaria se a declaração partisse de Dilma, Hollande, Merkel ou qualquer outro chefe de Estado.
O mundo se tornou perversamente competitivo e as disputas travadas entre as nações ocorrem em vários níveis. Imaginamos a guerra unicamente como o confronto com armas de fogo, mas a manipulação de dados econômicos, o bombardeio de ideologias e outros recursos sutis são resultados diretos da guerra de inteligência. A espionagem alimenta um país de informações para que ele decida como pode obter aquilo que deseja. E a verdade é que os países são insaciáveis. Por definição não podem ser saciados porque querem sempre mais do que já têm ou querem aquilo que ninguém pode oferecer. No caso da política internacional, querem sempre - mas secretamente - o poder absoluto e a espionagem confere a um governo o poder de profetizar para obter.
Quando Obama diz que vai rever os métodos e protocolos da NSA, está dizendo que a partir de agora tudo ficará mais sofisticado e menos vulnerável aos remorsos de um único ex-funcionário. A eficiência da coleta e interpretação de dados deve melhorar, precisa melhorar e é isso o que ele está querendo dizer com reformas no setor. No mundo de hoje a informação é preciosa demais e nenhuma nação moderna vai abdicar da possibilidade de obter dados estratégicos se na prática tiver os meios para fazer isso.
A segunda razão para escrever sobre isso na coluna de hoje é porque não vi até agora ninguém dizendo a você que tudo isso é relevante para o seu dia a dia. Lendo as notícias temos a impressão de que os alvos de operações de espionagem são apenas as grandes autoridades e as grandes corporações. Nós, eu, você, o dono da casa lotérica do bairro e o dono da padaria da pracinha, não representamos nada neste contexto e não corremos o risco de ter a privacidade invadida. De fato: não imagine que os americanos estão escutando as nossas conversas, mas tenha certeza de que sofremos as consequências da espionagem. Quando os dados obtidos pelas agências de informação colocam em marcha operações complexas, sofremos as consequências quando vamos abastecer o carro, quando vamos ao supermercado, quando vamos ao cinema assistir uma propaganda ideológica disfarçada de filme, quando vamos fazer cursos no exterior...
Avançamos mais nas tecnologias de espionagem do que no combate `as epidemias ou `a fome e isso ocorre porque todas as nações estão em guerra. O trabalho das agências de inteligência é travar a guerra secreta. Quando deixa de ser secreta ela se modifica para continuar secreta, mas jamais deixa de ser uma guerra.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.
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