A história do novo cardeal do Rio, Dom Orani João Tempesta, em sua entrega a Deus tem raízes distantes, mas fundamentais na configuração de seu perfil. Há que buscá-las em sua vocação contemplativa que o fez um dia, ainda bem jovem, bater às portas do mosteiro cisterciense para servir a Deus na oração contemplativa, na liturgia comunitária e no louvor incessante.
As necessidades eclesiais que demandavam um pastor o fizeram sair do mosteiro para ser bispo. É assim que antes de vir para o Rio de Janeiro, Dom Orani teve uma passagem importante por Belém do Pará, que marcou seu coração para sempre a ponto de dizer, em sua despedida: “Vou para o Rio, mas levo comigo Belém, o Pará, o calor desse Estado e a simpatia desse povo”.
Entre os inúmeros admiradores que deixou na capital paraense, Dom Orani conta com o afeto da grande intérprete Fafá de Belém, que já cantou em várias ocasiões na festa do Círio de Nazaré quando ele governava a diocese.
Uma vez bispo, ocupou, com sucesso e eficiência, a coordenação do setor de comunicação da CNBB. Este interesse e valorização da comunicação permitiram que, uma vez nomeado arcebispo do Rio, tenha sabido capitalizar para a cidade onde se encontra sua diocese uma série de eventos importantes, que muito valorizaram a presença do Rio na Igreja do Brasil.
Ao chegar à Cidade Maravilhosa, encontrou uma situação delicada. O Rio era o estado menos católico do Brasil, perdia fiéis de forma acelerada para as igrejas pentecostais. Os meios que pôs em prática para enfrentar este problema foram eficazes e criativos: apostou e investiu em uma assessoria de boa qualidade, motivando muito a adesão e o voluntariado jovem, usando seus dotes para a comunicação.
É assim que, hoje, os católicos do Rio de Janeiro veem sua pastoral transformada. A Igreja local fervilha de iniciativas positivas, que integram e valorizam o privilegiado quadro natural de beleza no qual está situada. Dom Orani potencializou ainda mais o Cristo Redentor – principal monumento da cidade - que durante seu governo foi declarado Maravilha do mundo. Ali botou um padre responsável pelo santuário e são frequentes as celebrações que naquele lugar acontecem.
Alguns encontros que tive com ele reforçam este perfil que sempre demonstrou a mim, de uma simplicidade profunda unida a uma prática ancorada em uma intensa espiritualidade. O primeiro foi na PUC do Rio, da qual é grão chanceler. Quando foi nomeado arcebispo da diocese, o reitor da Universidade queria organizar uma visita oficial do novo bispo a fim de apresentá-lo à comunidade acadêmica. A agenda do novo arcebispo estava cheia e a data marcada ficava um tanto longínqua. Não havendo outra possibilidade, foi confirmada.
Muito antes daquele dia, fui convidada pelo Departamento de Comunicação Social a assistir aos filmes que concorriam à Margarida de Prata, prêmio da CNBB ao filme brasileiro que mais defende os direitos humanos. Encaminhei-me à sala de projeção, que já se encontrava de luz apagada. Vislumbrei outra pessoa na sala, já sentada e atenta ao filme que começava. Qual não foi minha surpresa ao ver que era Dom Orani.
Discretamente, entrou na universidade muito antes da data oficial marcada para sua “primeira” visita e passou pelo campus como um de tantos, sem anunciar sua presença. Celebrei com ele assistindo filmes essa sua primeira visita extra oficial à nossa universidade.
De outra vez, eu estava fora do Rio, em Petrópolis, quando meu celular tocou às 7h da manhã. Surpreendi-me com a voz do outro lado, que se identificou simplesmente: É Dom Orani. Assustei-me, devo confessar.
Àquela hora, o bispo ligar para minha casa... O que podia ter acontecido? Pensei que era uma notícia ruim. Ele riu e disse que era uma coisa boa. E efetivamente, passou o aparelho a Monsenhor Scoti, presidente da Associação Josef Ratzinger, que me convidou a apresentar o livro do Papa Bento XVI sobre a Infância de Jesus em Roma. Emocionada, aceitei. Quando fui agradecer a Dom Orani, me disse que depois contasse minha experiência. Foi o que fiz em um evento organizado então pela própria diocese sobre o livro emquestão.
Esta é minha experiência com Dom Orani: um homem profundo e simples, direto e próximo. Uma presença apostólica forte e uma visão larga e positiva à frente da Igreja do Rio de Janeiro.
E agora, essa mesma Igreja do Rio celebra alegremente sua recente nomeação como cardeal pelo Papa Francisco. Já estiveram juntos no
grande sucesso que foi a Jornada Mundial da Juventude. Agora trabalharão mais próximos ainda. Enquanto a Igreja Universal vive
como um sopro de esperança o pontificado de Francisco, a Igreja da Cidade Maravilhosa cumprimenta feliz seu novo arcebispo, agora cardeal. Que o Espírito Santo fecunde abundantemente sua missão, é o que desejamos todos.
Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. É autora de diversos livros, entre eles, ¿Un rostro para Dios?, de 2008, e A globalização e os jesuítas, de 2007. Escreveu também vários artigos no campo da Teologia.
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