terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A engenheira de horóscopos

Lydia não é dada a conquistas amorosas. Gosta mesmo é de conquistar mentes.

Por Lev Chaim* 

Ao caminhar pelas ruas do vilarejo holandês, Lydia até parecia uma visão do além ou de outra terra bem distante. Vestia-se como uma dançarina de flamengo, com roupas de babados e bolas coloridas, até parecendo pronta para entrar em cena. Um grande xale jogado nos ombros, feito de tricô e com cores exóticas, dava um toque elegante e extravagante à indumentária. Até uma flor vermelha, ela tinha amarrada no cabelo em coque. Os lábios, com um vermelho vivo, cor de sangue, davam-lhe o toque final.

Não havia quem não a conhecesse na cidade. Era a engenheira de horóscopo, que havia ganhado na loteria e se mudado para uma das entradas da cidadezinha. Quando ouvi esta expressão da boca de uma vizinha, perguntei o que significava. “Com a data de seu nascimento, a hora e outras informações, ela traça as linhas mais importantes de sua vida, dando-lhe um horóscopo personalizado”, disse ela, acrescentando ainda que muitos vinham de longe para consultá-la.

Um dia na padaria, pude vê-la bem de perto. Não era assim tão jovem quanto aparentava: as rugas à volta da boca e dos olhos mostravam um certo cansaço. Até seu sorriso sempre generoso, naquele dia, estava meio desfeito. Apesar das cores e da extravagância no vestir, a sua aparência, naquele dia, deixava transparecer que já havia passado por muitas na vida. Estava cansada. Não um cansaço normal, mas de anos, um cansaço da vida, imagino eu.

Tenho que admitir uma coisa: ela tem personalidade. Muitos que a viam, por mais que estivessem acostumados com sua aparência, quando ela se virava, acabavam fazendo comentários jocosos. Muitas mulheres a achavam ridícula e os homens sentiam-se  atraídos por seu visual. Ela tinha marido. O mesmo, há anos. Sem se importar com nada, Lydia seguia em frente sem perder o rebolado. Naquele dia na padaria, que estava lotada, comprou o que queria e se mandou.

Ao vê-la caminhar de volta para casa, tive a impressão de que cantarolava. Depois, descobri o porquê – ela caminhava de forma feminina, como as mulheres brasileiras, sem aquele andar pesado das holandesas, que mais parecem marchar. Mas a exótica Lydia era uma exceção. Não só sabia caminhar, como também rebolar, que poderia deixar uma baiana com uma inveja daquelas. Talvez fosse isso que causasse tanta irritação nas outras mulheres do vilarejo. Ela era, sem duvida, atraente.

Num outro dia, cruzando com Lydia na rua, disse-lhe bom dia e ela disse o mesmo com um belo sorriso nos lábios vermelhos, puro-sangue. Daí, acabei perguntando se ela fazia horóscopos e quanto ela cobrava por cada um. Ela disse que tinha que marcar a hora, levar os dados pessoais, inclusive a hora mais ou menos do nascimento. “A lua é muito importante para determinar as coisas na vida de alguém”, complementou. Ainda com um sorriso, acrescentou: “Há tempos que noto o vosso olhar curioso”.

Meio sem jeito, despedi-me e continuei o meu caminho. Conforme me afastava, sentia o seu olhar fixo na minha nuca. Depois de alguns metros, curioso, voltei-me e a vi parada, sorrindo. Daquela distância, ela lembrou-me a Gal Costa, em um de seus shows, junto com o grupo Olodum. Ali, estava Lydia, sem pandeiros e sem batuques, dando a impressão de que cantava e dançava, parecendo rir de mim e da vida. Não sabendo como reagir, abanei a mão. Ela respondeu em câmara lenta, acenando como se fosse uma rainha.

Sem dúvida, ela sabia como despertar a curiosidade dos passantes. Depois desse encontro, resolvi dar um tempo, mas prometi a mim mesmo que, um dia, iria consultá-la em relação ao meu horóscopo pessoal. O único problema é que não acreditava em tudo que ela pudesse dizer. Ou talvez estivesse receoso de saber tudo que estaria escrito.

Mas a curiosidade foi maior e lá fui eu. O que ela me disse batia com tudo que havia acontecido em minha vida. Ela falou que podia analisar o passado, mas o futuro dependia de mim. Para mudar algo, eu também teria que mudar. Aliviado, sai de lá nas nuvens. Ela havia me mostrado tudo. Até o próprio atelier onde fazia suas roupas, capas e chapéus. 

Apesar de toda a amabilidade, Lydia ainda continuava um mistério. Ela abria uma porta mas fechava outras. E isto fazia parte de sua arte, de seu jogo para conquistar clientes. E tem mais: mulheres, podem ficar sossegadas, Lydia não é dada a conquistas amorosas. Ela mesmo me disse que gosta de conquistar mentes. Quando ouvi isto, comecei a rir e Lydia riu junto. Se um dia vierem por esses lados de cá, eu lhes apresentarei a engenheira de horóscopo. Tchau e até a próxima!
*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Rádio Internacional da Holanda, país onde mora. Escreve às terças-feiras no Dom Total.

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