quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A Lei de Jante

O autor da Lei, o escandinavo Aksel Sandemose, criou também as regras para compreendê-la.



Aksel Sandemose: ênfase no coletivo em detrimento do indivíduo. (Foto: Arquivo)
Por Alexandre Kawakami*

Virou moda entre os admiradores do socialismo europeu usar os países escandinavos como exemplos de modelo econômico a serem copiados. Essa admiração sempre me causou algum espanto. Isto porque o cenário cultural que estes países possuem, cenário este que possibilita o modelo econômico que desenvolveram, é muito diferente do nosso.

O ponto relevante é o fato da cultura nórdica dar ênfase muito maior ao valor do grupo e do coletivo em detrimento e com conotação negativa e derrogatória ao valor do indivíduo. O autor escandinavo Aksel Sandemose criou como conceito, para ilustrar este sentimento, a Lei de Jante, que se resume em dez regras:

1. Não se ache especial.
2. Não se ache tão bom quanto nós.
3. Não se ache mais esperto do que nós.
4. Não tente se convencer de que é melhor do que nós.
5. Não pense que sabe mais do que nós.
6. Não se ache bom em qualquer coisa.
7. Não ria de nós.
8. Não pense que alguém se importa com você.
9. Não pense que pode nos ensinar qualquer coisa.
10. Não se ache mais importante do que nós.

Eu sempre achei que tais regras nunca caberiam na mentalidade brasileira, orgulhosa que é do Atacante Camisa 10, do Pai dos Pobres, do Galã da Novela, do Malandro da Ópera. Entretanto, depois de receber mensagens ameaçadoras de um leitor que se incomodou com minhas posições sobre a sociedade brasileira, me achei pensando sobre a Lei de Jante: notava, ouvindo os ecos dos latidos do leitor incomodado, que temos já há algum tempo correlato pátrio. Se a Lei de Jante tropical não fortalece o coletivo, ela certamente é feita para enfraquecer o individual.

Se pudesse criar um paralelo, as regras do Janteísmo tupiniquim seriam, mutatis mutandis,as seguintes (ilustradas com o que já ouvi no decorrer dos anos):

1. Largue mão de ser convencido.

Suas tentativas de se mostrar diferente do “consenso” (como definido por mim) ofendem o que já foi acordado como normal por todos nós. Ex.: (Em meus tempos de colégio) “Credo, você come peixe cru? Que nojo, vai pra longe!”

2. Sapo de fora não chia.

Se você é de fora da panela, quem é você para nos julgar? E se você não gosta das coisas do jeito que estão, vá-se embora daqui! Ex.: (Quando morava no exterior) “Se você tem tantas críticas, porque não volta para o Brasil e ajuda a melhorar o país?”(Quando voltei do exterior) “Se você acha o Brasil tão ruim, porque não volta pro Japão?”

3. Quanto é que eu ganho com isso?

A maior mostra da esperteza de uma pessoa é sua capacidade de lucrar com o que faz, não importa o que faça. Ex.: “Fala a verdade, quanto as multinacionais te pagam para escrever sua coluna semanal?”

4. Se você não é rico e não aparece na televisão, você não é ninguém.

Não tente achar que você é de alguma forma especial se não tem dinheiro ou fama para comprová-lo. Ex.: “Eu nunca te vi na coluna social. Você é zé-povinho.”

5. Quem é você para me dar opinião?

O único argumento que me toca é a autoridade de quem o pronuncia. Ex.: “Olha, você pode até estar certo, mas meu chefe me mandou fazer assim.”

6. Não sou eu que sou medíocre, é você que é convencido.

Não é possível ou conveniente que eu seja pior do que você; portanto, você deve ter algum pecado muito grande. Ex.: “O sujeito ficou rico vendendo laranja no sinal e agora se acha o rei da cocada preta.”

7. Perco o amigo, mas não perco a piada.

Não existe ocasião onde o humor é inconveniente; sua humilhação não passa de afetação. Ex.: “Chamaram sua filha de “chinesa feia” na escola? Não é pra menos, japonês e chinês é tudo igual, né, SubiroNakombi?”

8. O governo deveria fazer alguma coisa por estas pessoas.

Terceirizei minha simpatia pelos necessitados à benevolência da administração. Ex.: “Tudo bem que ele não tem pernas, mas o sujeito ganha Bolsa Família e fica pedindo dinheiro no sinal?”

9. Se você não me disser, eu nunca vou saber.

Sua falha em me instruir em detalhes desculpa minha determinação em não pensar no que você quer. Ex.: “Chefe, você queria cópia da frente E do verso daquele contrato? Por que não disse antes?”

10. Aos amigos, o perdão. Aos inimigos, o rigor da Lei.

Sua insistência em se dirigir a mim como qualquer um é humilhante; eu sei que no Brasil existe tratamento especial para pessoas especiais. Ex.: “Você sabe com quem está falando?”

Talvez estas regras não sejam exclusivas dos brasileiros. Mas que eu me encontro com elas todos os dias no Brasil, certamente me encontro. Quem é você para duvidar de mim?
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da MontPelerinSociety, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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