Por Jean Mercier
Paralelamente aos trabalhos do G8 dos cardeais, encarregado pelo papa de uma reorganização da Cúria e de uma abordagem atenta aos dossiês mais ardentes (por exemplo, o acesso aos sacramentos por parte dos divorciados em segunda união) e que deverá se reunir novamente no Vaticano entre os dias 17 e 19 de fevereiro, está se realizando uma verdadeira revolução cultural. Além de qualquer divisão ideológica (progressistas/conservadores), ela diz respeito principalmente à lógica de poder em curso na cúpula da Igreja. Fortalecido pela sua autoridade reconhecida pela "base" (os fiéis, mas também a opinião pública mundial), o papa bate forte e em todas as direções.
O papa decidiu não se deixar guiar por um gabinete formado por conselheiros técnicos devidamente homologados. Negligenciando os organismos intermediários da Cúria, criou uma espécie de rede paralela em que se apoia para tomar decisões.
"As engrenagens da Cúria estão paralisadas. Aqueles que sabiam como fazer para mover as peças certas e obter o que queriam estão agora totalmente desorientados", confidencia uma testemunha.
Francisco governa a partir de um lugar aberto, propício aos encontros e às trocas, que é a Casa Santa Marta, onde pode encontrar prelados e cardeais de passagem por Roma, misturando encontros formais com conversas informais. Recusou que fosse a Secretaria de Estado que lhe fixasse os compromissos e impôs as suas regras.
Distanciamento da confusão italiana
Francisco expressou a sua vontade de cortar as relações, muitas vezes adúlteras, da classe política italiana com a Santa Sé. Dito claramente, o papa não deseja mais ser explorado, nem se misturar com as questões italianas, às vezes nojentas (Berlusconi havia recebido oficialmente a bênção do Vaticano...). A ruptura é violenta e leva a pensar na reforma gregoriana de nove séculos atrás, quando diversos papas tentaram libertar a Igreja da opressão do poder temporal.
O papa também quer desacostumar a própria Igreja italiana da sua dependência incestuosa do Vaticano. A ambição é colossal, porque a Igreja italiana sempre considerou que a Cúria (em sentido amplo) fosse o seu terreno de caça, o lugar de reciclagem de eclesiásticos pouco apreciados ou atingidos por escândalos, um pouco o maquinário para sistematizar os "protegidos" dos bispos.
A ruptura é notável. De fato, a Igreja italiana, na sua relação com uma sociedade em plena secularização, precisava de um sólido vínculo com o Vaticano para se sentir sob ataque. Se Francisco cortar o cordão umbilical, o episcopado italiano será reenviado às suas lutas internas e às suas fragilidades. No entanto, o papa (de origem piemontesa) não cai em um anti-italianismo visceral.
Valorizar o profissionalismo contra carreirismo
"Chega de um Vaticano em que, para se tornar cardeal e chefe de dicastério, era preciso escalar a estrutura graças a eventos propícios. Francisco não se opõe à promoção interna, mas ela deve se basear em competências verdadeiras", explica uma pessoa próxima ao papa. Para governar, Francisco escolhe um modo contrário ao de uma lógica de nomeações baseada no "afetivo" ou na "subida de elevador", que permitiu que pessoas inadequadas ocupassem postos-chave.
Para explicar a lógica do carreirismo, o papa enviou uma mensagem forte. Decidiu restringir drasticamente a concessão de títulos de "monsenhor" aos padres das dioceses de todo o planeta, que lhes permitia ser valorizados mesmo sem ser elevados ao cargo episcopal de forma sacramental. De agora em diante, tal título honorífico será concedido apenas a padres com mais de 65 anos (e não 35, como antes). Embora esse novo regulamento não se aplique à Cúria, nem aos vigários gerais das dioceses, é um sinal claro de que não se deve se tornar padre para obter medalhas.
O rebaixamento não é mais tabu
Bastaram poucas nomeações para que o papa fizesse entrar em colapso a lógica institucional que prevalecia até então, segundo a qual uma nomeação insignificante ou um exílio podiam ser apresentados como uma promoção altissonante, para permitir que o interessado salvasse a sua honra. Agora, certos eclesiásticos foram rebaixados urbi et orbi.
Além disso, o papa confirmou apenas um número restrito dos seus colaboradores nos dicastérios. Os outros esperam manter ainda o seu "posto indeterminado", como antes do conclave. Alguns tremem, temendo perder o seu status, por ocasião de unificações de pontifícios conselhos, por exemplo o dos leigos e o da família.
O papa não tem nenhum problema em "despedaçar" o ego de certos carreiristas. "O rebaixamento é uma arma posta a serviço de um duplo imperativo: sair de uma lógica de impunidade para aqueles que fracassaram mas que pensam em continuar subindo; e, acima de tudo, mostrar que o papa não tem medo de fazer inimigos e, por sua vez, de ser atingido. O que reforça a sua autoridade aos olhos de todos...", é a interpretação de um especialista.
Impor o critério do serviço
Sem dúvida, o tipo de gestão de Francisco também se baseia na sua experiência da vida religiosa, adquirida na Companhia de Jesus. Eleito por um ou mais mandatos, a pessoa investida do mais alto cargo em uma congregação, volta para a base em seguida, como um entre os demais. Jorge Mario Bergoglio viveu isso, depois de ter dirigido, por anos, a província jesuíta da Argentina. Esse modo de entender o poder se opõe à lógica ascensional praticada nas estruturas diocesanas. Ela havia sido levada ao extremo pelo Pobrezinho de Assis, quando ele criara a ordem franciscana, como explica Jacques Dalarun, no seu livro Gouverner c´est servir. "Essa inversão na relação com o poder levaria anos antes de ser realmente dominante no Vaticano", adverte uma pessoa que se encontra frequentemente com o papa.
"Certamente, Francisco está usando táticas de força. Mas as mentalidades precisam de muito tempo para se converter. Duvido que, para conseguir isso, baste apenas um pontificado".
La Vie, 04-02-2014.
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