Padre Geovane
Saraiva*
Quando o site da Rádio do Vaticano publicou a notícia: “Padre Renato
Salvatore, superior geral dos Camilianos e outras cinco pessoas receberam uma
ordem de prisão preventiva, sob a acusação de terem impedido a dois sacerdotes
de participar na eleição do Superior Geral da Ordem, que ocorreu em maio de
2013, encenando um falso controle da polícia judiciária. A ausência dos dois
sacerdotes teria permitido ao Padre Salvatore ser eleito Superior Geral” (Rádio
Vaticano, 07/11/2013). Assim, refleti comigo mesmo: a crise na Igreja vai muito
além do que se imagina.
De longe sabemos
da questão do homossexualismo, nas casas de formação e dentro do clero, como um
tabu, o qual era proibido se comentar; a realidade no mundo inteiro de inúmeros
sacerdotes que foram assassinados nas últimas décadas em situações ambíguas; de
bispos e cardeais que são obrigados a renunciar, vivendo em situação de reclusão, alguns
deles não podem nem presidir as celebrações eucarísticas, dentro dum contexto
de dúvidas e interrogações; temos também pouca transparência no contexto
financeiro no mundo da Igreja. Confesso que gostaria de saber da Igreja
Católica, sendo o Vaticano um Estado, de onde se tira dinheiro para manter a
diplomacia, entre outras despesas estruturais; ademais, não podemos esquecer dos Escândalos Vatileaks
e a pedofilia. A palavra do Papa Francisco, aos 16/01/2014, reforça nosso
artigo, ao dizer com todas as letras: “É preciso sentir vergonha pelos
escândalos da Igreja”.
Dentro desse
contexto triste e vergonhoso, jamais podemos esquecer assassinato da Irmã
Dorothy Stang, contrariando esse estado de coisas e escândalos, e que já se
passaram nove anos. Temos consciência de que o testemunho e a mística dessa
fiel e corajosa religiosa, vivido na extrema simplicidade e pobreza evangélica,
no seguimento de Jesus de Nazaré, com seu sangue derramado na floresta
amazônica, irão nos ajudar numa profunda reflexão, no sentido de produzir
frutos, muitos e bons frutos.
Irmã Dorothy
afirmou, no momento, no qual foi imolada: "Eis a minha alma" e
mostrou a Bíblia Sagrada. Leu ainda alguns trechos das Sagradas Escrituras para
aquele que logo em seguida iria assassiná-la, a mando do fazendeiro Vitalmiro
Bastos de Moura, o Bida. Morta com seis tiros, aos 73 anos de idade, no dia 12
de fevereiro de 2005, em Anapu, no Estado do Pará, Brasil. É a partir duma
grande e enorme simbologia, bem ao meio da floresta amazônica, este assassinato
quer dizer ao mundo inteiro que a vida é mais forte do que a morte!
Diante do
contexto da morte brutal da Irmã Dorothy, fica a frase de Tertuliano, dita no
século terceiro: "Sangue de mártires é sementes de cristãos".
"Evangelizar constitui, com efeito, o destino e a vocação própria da
Igreja, sua identidade mais profunda. Ela existe para Evangelizar"
(Evangelli Nuntiandi, 14), não fugindo, evidentemente, do martírio. Papa
Francisco, ao escrever aos bispos argentinos, no dia 18/04/2013, indicou o
caminho do martírio: “prefiro uma Igreja acidentada (martirizada) a uma Igreja
doente” (instalada).
O modelo
capitalista no Brasil, marcado pela desigualdade social e estrutural entrou com
toda sua força também na Amazônia. Para a floresta amazônica, foi por opção de
vida, a inesquecível Irmã Dorothy. Lá ela abraçou a proposta do Evangelho,
repleta de ternura, paixão e compaixão pela floresta amazônica e seus
habitantes. Uma mulher forte e determinada, no seu estilo de vida e com uma
mística a causar medo e contrariar os que desejavam outro projeto para
floresta, longe e distante do projeto de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso
mesmo tramaram: vamos assassiná-la.
Irmã Dorothy
está viva e presente da vida do seu povo, com sua vida ofertada em sacrifício,
num verdadeiro hino de louvor a Deus, na sua coragem profética. Ela vai
continuar sempre mais amada e admirada, como figura exemplar e referencial,
símbolo e patrimônio do povo brasileiro, o qual sonha com uma nova realidade,
aos olhos da fé.
Para a Igreja
Católica, diante das crises e contradições, como faz bem recordar o martírio de
Irmã Dorothy Stang, como algo imprescindível, olhando-a como modelo, exemplo e
referencial. Que seu martírio, com seu sangue derramado acorde a Igreja! Assim
seja!
*Padre
da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, articulista, blogueiro, membro da
Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos
Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal
- Pároco de Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com
Autor dos livros:
“O peregrino da Paz”
e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder Câmara);
“A Ternura de um
Pastor” - 2ª Edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider);
“A Esperança Tem
Nome” (espiritualidade e compromisso);
"Dom Helder:
sonhos e utopias" (o pastor dos empobrecidos);
"25 Anos sobre
Águas Sagradas (coletânea de artigos e fotos).
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