segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O seringueiro: Não temos “parente nem aderente” - Retiro do clero de Fortaleza, julho/2007

Dom Moacyr Grechi*
Recordo que um dia, chegou a minha casa uma família inteira. Ele se chamava Sebastião e ela Maria. Eles tinham uma “reca” de meninos: eram sete de nove anos para baixo. A mulher me disse: o senhor e Dom Moacir? No porto me indicaram para procurá-lo. E me contou sua história: trabalhávamos no Alto Purus, no seringal.

Meu marido era grande seringueiro. Fazia mais de uma tonelada e maio de borracha, por ano. O sistema era assim: o seringueiro pegava, no borrachão, tudo o que precisava; farinha, carne seca, carne de lata, sal pólvora, cartucho, leite condenado, tudo. Pagava depois com a produção. E o patrão sempre roubava. A borracha era tabelada nacionalmente. O preço, no barracão, porém, era feito pelo patrão. Na hora do contrato, o leite condensado, produto muito procurado por eles, o seu preço era um, na hora em que vinha pagar com o trabalho o preço aumentava.

Então quase sempre o seringueiro estava em dívida. Meu marido era tão trabalhador que ele tinha saldo. O patrão morava ali perto. Quando pedi, agora, dinheiro ao meu patrão para viajar com meu marido porque está muito doente, com lepra, ele não deu. Apareceu então um filho de Deus que nos deu uma carona. Amarraram uma corda bem comprida para puxar a nossa embarcação, pois estavam com medo de pegar a doença, e nos trouxeram até aqui. Dom Moacir, nós não temos “parente nem aderente”.  Meu marido está leproso.


*Arcebispo Emérito de Porto Velho

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