Repetir hoje o abraço de Pedro e André significa "fazer memória" no sentido forte do termo: não só me recordar um evento passado, mas atualizá-lo, recolher a sua herança, redespertar as esperanças que ele havia suscitado, reiterar que desejar alguma coisa às vezes é já torná-la possível.
A opinião é de Guido Dotti, monge da Comunidade de Bose
Eis o texto.
Quando se perfila um evento eclesial inédito ou cujo único precedente remonta há 50 anos antes não é fácil delinear antecipadamente os pontos que ele irá abordar e as perspectivas que poderá abrir.
Além disso, quando um dos protagonistas é o Papa Francisco – que nos habituou a gestos inesperados mesmo em circunstâncias de administração ordinária – e o outro é o Patriarca Ecumênico Bartholomeos, o primeiro arcebispo de Constantinopla há ao menos mil anos a presenciar a liturgia inaugural de um pontificado, a taxa de imprevisibilidade sobe ainda mais.
Então, o que podemos razoavelmente esperar do encontro de fim de maio entre o papa e o patriarca em Jerusalém, lá onde os dois apóstolos dos quais sucessores – Pedro, "a rocha", e André, seu irmão, "o primeiro chamado" – viveram o mistério pascal da morte e ressurreição do seu Senhor que tinham seguido pelas estradas da Galileia e da Judeia?
Um abraço histórico
Trata-se de uma peregrinação e de um encontro entre os bispos de Roma e de Constantinopla que quer comemorar aquele encontro análogo – à época, sim, absolutamente inédito – ocorrido em janeiro de 1964. O Papa Paulo VI, o primeiro sucessor de Pedro a voltar à terra da encarnação, e o Patriarca Athenagoras I se abraçaram em Jerusalém dando corpo, palavras, imagens a um desejo do seu coração e do coração de tantos cristãos em todo o mundo: a unidade dos discípulos de Jesus Cristo.
Repetir hoje esse gesto significa "fazer memória" no sentido forte do termo: não só me recordar um evento passado, mas atualizá-lo, recolher a sua herança, redespertar as esperanças que ele havia suscitado, reiterar que desejar alguma coisa às vezes é já torná-la possível.
O encontro acontece em Jerusalém hoje em um mundo profundamente modificado em comparação com 50 anos atrás, mas em um histórico e geopolítico igualmente denso de problemas e de desafios. O conflito israelense-palestino não parece mais próximo da solução do que então, e toda a região do Oriente Médio é sacudida por ventos de violência que ainda têm muito pouco de primaveril. O grito de dor e a invocação de ajuda dos cristãos de todas as confissões que moram na região, do Iraque ao Egito, passando pela martirizada Síria, tornam-se cada vez mais intensos, e muitos temem que a própria presença dos cristãos no Oriente Médio esteja ameaçada. Então, poderia surgir a tentação de uma "santa aliança" pela defesa dos cristãos, um recurso a métodos próprios da política e da diplomacia para "contar mais", exercer pressão, reivindicar privilégios.
Poder-se-ia pensar em recorrer ao apoio desta ou daquela entidade nacional ou internacional, talvez aceitando compromissos éticos ou silêncios de conveniência, a fim de arrancar um apoio forte segundo os parâmetros do mundo. Além disso, mesmo na Europa, já temos há muito tempo repetidos sinais dessa tendência de combater, com instrumentos similares, aquela que é definida como "cristianofobia" ou até mesmo perseguição (dentre outras coisas, com pouco respeito pelos cristãos que, em outras partes do mundo, sofrem a perseguição cotidianamente).
Mas tudo leva a pensar que a peregrinação a Jerusalém se revelará pelo que ela é nas intenções dos dois protagonistas: um caminho de conversão, de comum e convergente retorno ao Evangelho e, portanto, em direção a um modo e a um estilo de ser comunidade de discípulos mais de acordo com a vontade do Senhor. Se relermos hoje as palavras de intensa espiritualidade que, há 50 anos, Paulo VI e Athenagoras I se trocaram – palavras espontâneas que os dois interlocutores estavam convencidos que permaneceriam ignoradas até mesmo aos colaboradores mais próximos –, encontramos a mesma inspiração evangélica que surge de alguns escritos e gestos de Francisco e de Bartholomeos: "Devemos abrir o coração ao companheiro de estrada – escreve o atual bispo de Roma nos parágrafos dedicados ao ecumenismo da sua exortação apostólica Evangelii gaudium – sem medos nem desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus" (EG, n. 244). Ou como esquecer o gesto profético e audaz do patriarca Bartholomeos I, que, ao apenas ouvir que o cardeal Bergoglio, logo depois da eleição, se apresenta como "bispo de Roma, Igreja que preside na caridade", decide romper toda hesitação e se dirigir para Roma para a missa de início do pontificado?
Os sucessores de Pedro e de André falarão, sim, dos sofrimentos, das angústias e das esperanças dos cristãos na Terra Santa e no Oriente Médio, buscarão tomar caminhos compartilhados para aliviar os seus sofrimentos e os de tantas vítimas da guerra e da violência, denunciarão a injustiça e o abuso que ofende a dignidade dos seres humanos, especialmente dos mais fracos, mas o seu olhar não será o do cálculo político, dos oportunismos mundanos, mas sim o da consciência de que "o ecumenismo de sangue", a partilha das provas e do martírio é uma voz mais forte do que toda divisão, é testemunho evangélico que faz do ecumenismo dos mártires um sinal crível do anúncio cristão no mundo de hoje.
Falar ao coração do outro
Também será uma oportunidade para compartilhar preocupações e solicitudes: "Não se trata apenas de receber informações sobre os outros para os conhecermos melhor, mas de recolher o que o Espírito semeou neles como um dom também para nós" (EG, n. 246). Então, se Bartholomeos I puder encontrar compreensão e apoio nos seus esforços para celebrar o tão esperado Sínodo pan-ortodoxo e no seu constante compromisso por um mundo ética e ecologicamente sustentável, o Papa Francisco está convencido desde agora que "nós, os católicos, temos a possibilidade de aprender algo mais sobre o significado da colegialidade episcopal e sobre a sua experiência da sinodalidade" (EG, n. 246), da qual, ao menos desde o Vaticano II, tanto se sente a necessidade dentro da Igreja Católica.
Mas, acima de tudo, acreditamos que os dois irmãos na fé deixarão que o próprio coração fale ao coração do outro, que juntos farão silêncio para "ouvir o que o Espírito diz às Igrejas" (Ap 2, 7 e ss.), para obedecer ao Senhor Jesus que reza e intercede para que os seus discípulos "sejam um para que o mundo creia" (Jo 17, 21). As suas palavras darão voz ao que arde no coração da Igreja, serão eco das orações e das expectativas de tantos cristãos de todas as confissões que não perderam a esperança de poder chegar um dia, como esperavam Paulo VI e Athenagoras I, a beber do mesmo cálice, a partir juntos o pão da vida, a reafirmar com a vida que há "um só Senhor , uma só fé, um só batismo", e que todos aqueles que confessam Jesus Cristo como sua salvação formam "um só corpo, um só espírito, como uma só é a esperança a que foram chamados" (Ef 4, 4-5).
Então, talvez sentiremos ecoar novamente palavras como as que foram pronunciadas por Paulo VI na intimidade fraterna com Athenagoras: "Nenhuma questão de prestígio, de primado que não o que foi estabelecido por Cristo. Mas absolutamente nada que trate de honras, de privilégios. Vejamos o que Cristo nos pede, e cada um tome a sua posição; mas sem nenhuma ambição humana de prevalecer, de ter glória, vantagens. Mas de servir".
Ver juntos o que Cristo pede à sua Igreja e pôr-se ao serviço um do outro: esse é o grande dom que o Papa Francisco e o Patriarca Bartholomeos I se preparam para dar aos seus fiéis e ao mundo inteiro que espera a boa notícia do Deus misericordioso e grande no amor.
Revista Popoli, de fevereiro de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário