Gonzaga Mota*
Ricardo e Zé, nordestinos, resolveram morar em São Paulo. O primeiro foi ocupar um cargo na diretoria de uma sólida e grande empresa. Zé, semianalfabeto, viajou com a coragem e a cara, além da mulher e um filho de três anos, na esperança de conseguir trabalho. Na cidade grande, Ricardo, executivo importante, analisava e discutia diariamente os agregados econômicos do País, as taxas de juros, de câmbio, o "spread" bancário, enfim o comportamento dos indicadores com vistas à obtenção de lucros crescentes.
Morava num bairro nobre da Capital. Possuía belos automóveis, lanchas, haras, aeronaves e frequentemente viajava ao exterior, a negócios ou fazer turismo. Seu padrão de vida era muito elevado; não sei se o nível de felicidade também o era. Por sua vez, Zé conseguiu, por acaso, uma colocação de auxiliar de portaria no condomínio habitado pelo dr. Ricardo. O pobre zelador ficou muito feliz. Recolhia o lixo, cuidava do jardim, vigiava os portões e ganhava o salário mínimo, com a promessa de ter a carteira assinada. Zé, infelizmente, não conseguiu estudar.
Foi vítima, como muitos, das injustiças da sociedade. Passava os dias servindo aos moradores do rico condomínio paulistano e as noites, com a mulher e o filho na favela Jardim Ângela, dormindo num barraco coberto por papelão e feito de madeira usada. O mais triste aconteceu: numa noite que Ricardo recepcionava a "high society", o filho de Zé, subnutrido, com pneumonia, faleceu na fila do SUS. Pobre Zé, vítima também da perversa distribuição de renda. Segundo Santo Agostinho: "O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres".
*Integra a Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, poeta, escritor, professor da UFC e ex-governador do Ceará
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