Apesar da qualidade de som muitas vezes ruim, jovens preferem o Youtube para consumir música.
Por Marco Lacerda*
Lembram do melomaníaco tal como o conhecíamos? Um tipo humano com obsessão pela música gravada que aspirava a aplicar o ideal do pequeno burguês ao consumo sonoro. Perseguia novidades (discos de maior ou menor valor), guardava-os em condições corretas e construía um entorno de alta fidelidade para escutá-los. As coisas mudaram muito desde aqueles tempos. A paixão pela música permanece a mesma, ou maior. O inquestionável é que não se consome música da mesma maneira.
Um estudo da consultora americana Nielsen confirma os piores temores da indústria e dos puristas com uma informação reveladora: pela primeira vez o meio preferido pelos jovens dos Estados Unidos para ouvir canções é o portal de vídeos YouTube. Nem o rádio, nem os CDs, os LPs, nem mesmo os iTunes, mas o portal onde vão parar num mesmo saco de entulhos videoclips em alta definição, filmagens históricas de concertos, esfoladas versões caseiras de clássicos, raridades que não existem mais ou porcarias contendo temas melosos de telenovelas e séries de TV.
O que significa essa reviravolta para a indústria fonográfica e outros meios, como as rádios ou cadeias de vídeos? Qual é a mensagem que envia Nielsen sobre o presente e o futuro dos hábitos culturais? Ouvir uma canção nas condições precárias de um computador ou de um smartphome é intrinsecamente pior que fazê-lo através de equipamentos de milhares de dólares. A revolução tecnológica pariu ouvintes de primeira e segunda classe?
De cara pode-se dizer que nas cláusulas do contrato do YouTube está respondida a primeira pergunta, que para a indústria contém todas as demais. O portal paga seus clientes em forma de direitos autorais e, como o rádio ou canais temáticos como MTV (feridos de morte pela mera existência do YouTube) funciona também como plataforma publicitária. “YouTube e Spotify são formas legais de consumir música. Ao autor das canções chega uma porcentagem calculada a partir do número de ‘clics’, explica Esteban Calle, da Promusicae, que controla ambos os selos.
A porção do bolo que acaba nas contas bancárias dos criadores é um segredo que a empresa, propriedade do Google,não revela. Tampouco existe uma regra que valha para todos os artistas. Tudo depende dos acordos assinados com cada um dos atores, sejam gravadoras ou entidades de gestão de direitos autorais.
Michel Teló, fenômeno mundial
Seja como for, os resultados são formidáveis. De acordo com cifras fornecidas pelo YouTube, a cada minuto rolam 48 horas de vídeos para o consumo de uma audiência milionária que nem sempre segue os gostos da corrente dominante. Dos dez vídeos mais vistos na Espanha em 2011, por exemplo, sete foram canções. Nenhuma fazia parte dos 50 discos mais vendidos no país. Foi necessário recorrer à lista das canções mais vendidas para encontrar duas delas entre as da preferência no YouTube. ‘Ai se eu te pego’, do brasileiro Michel Teló, o vídeo mais visto, acumulava, até a semana passada, 420 milhões de visitas em todo o mundo. No entanto, a gravação em CD ou single não passa do nono lugar.
A favor da onda conta obviamente o imediatismo. Ao contrário do rádio ou de cadeias como MTV (onde, talvez por esta razão, os cinco programas mais vistos em julho de 2013 foram os de notícias musicais e não de vídeos musicais), o consumidor escolhe o YouTube o que deseja ouvir, quando e com quem (a web se converteu num ingrediente essencial em festas de todo tipo). Além disso, o catálogo de atrações da página é difícil de ser batido no quesito capacidade de armazenamento.
Essa revolução tecnológica transformou todos em DJs e locutores de rádio e fez dos computadores, iPads, iPhones e celulares os novos equipamentos musicais. Talvez se escute mais música do que nunca, mas de que maneira? “Escutar música num computador é como ver um quadro em branco e preto. Perdemos muita sensibilidade auditiva”, diz Estaban Calle.
Existe uma relação entre o que as pessoas ouvem e como ouvem. “Os fiéis a equipamento sonoros tradicionais buscam tirar maior partido de discos de ópera ou mesmo de rock ou jazz. Embora o negócio resista, os equipamentos tradicionais já não vendem tanto como antes, exceção feita a caixas de som que não custam mais que 150 dólares e que adaptadas ao computador podem fazer tremer os cimentos de uma casa. Um equipamento tradicional capaz de produzir o mesmo efeito não sai por menos de US 5 mil.
Isso significa que YouTube e outras revoluções digitais podem acabar com a qualidade sonora como elemento indissociável da música? Ainda é cedo para responder. Cada vez mais são os artistas e os grupos que, conscientes do poder da página, postam seus trabalho no YouTube, antes de fazê-lo em qualquer outro meio. Informações como estas convidam a uma pergunta: escuta-se mais música graças à Internet? Um grupo de especialistas reunidos pela consultora Nielsen responde em uníssono com um inquestionável “sim”.
"Ai se eu te pego" - Michel Teló. Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e editor especial do Domtotal.
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