segunda-feira, 31 de março de 2014

Nossas desgraças congestionadas

A palavra é rodar, ter mais carros, mais velozes, mais furiosos, mais potentes.

Por Ricardo Soares*

Temos que fazer mudanças comportamentais tão severas, tão cruciais que, por fim, ninguém quer fazê-las. Precisamos consumir menos. Muito, muito menos. Menos carros, menos comida, menos relógios, menos grandes prêmios de Fórmula-1 , menos tablets e smarthphones, menos perfumes, menos gado, menos frangos,menos carros, menos carros e menos carros. Mas, todos os dias, o consumo só aumenta e arrebenta. 

A indústria no Brasil, sobretudo a automobilística, joga mensagens frenéticas , cotidianamente, nos conclamando a rodar mais, ter mais carros, mais velozes, mais furiosos, mais potentes para deleite dos dementes como se a potência dos carros fosse equivalente a um campeonato de ereções mecânicas. Mas não pense o mecanizado leitor que minha sanha é apenas contra a indústria do automóvel que no Brasil tudo pode com o pretexto que dá muitos empregos. Minha sanha é saber até quando ficaremos na contramão do bom senso , incensando uma publicidade anacrônica que associa ter carrões a ter status. Afogamos em carros e ainda rimos sem vias de escape. Jornalistas desavisados festejam todos os dias os nossos recordes de vendas alimentando nossa competitividade , assanhando uma disputa que deve ser ganha com o México. Lastimável.

Somos peixes morrendo pelas bocas automotivas, rindo de nossas próprias desgraças congestionadas em inúmeras prestações. Fazem odes aos carros potentes, penitentes de uma era que converte pilotos mauricinhos  em heróis da pátria. Comigo não pistão!  Cada carro que sai da linha de montagem carrega mais minha bateria de indignação, engata a marcha do meu modesto protesto que clama por um maior espaço para as bicicletas e os pedestres. Apesar de (minha culpa, minha máxima culpa) esse escriba que vos redige ser proprietário de um jipe 4X4. Paradoxo completo,mas sabe por que ?

O jipe me leva mais longe de gente que crê na supremacia da civilização do automóvel que eu abomino. Me leva para o mato profundo. E se lhes faltar motivo pra sentir o mesmo é só lembrar que o Henry Ford, criador dessa civilização, adorava o nazismo. Simplismo o meu ? Não creio. E agora freio. 
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor , roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor , entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

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