Estudo mostra que Brasil perde R$ 300 bilhões ao ano com tempo perdido em deslocamentos.
Por Helio Mattar*
A mobilidade urbana é um dos temas prioritários da agenda em prol de uma sociedade do bem-estar com estilos mais sustentáveis de vida. Cidades onde o deslocamento de seus moradores é feito por meio de serviços de transporte e infraestrutura de má qualidade geram impactos negativos em todos os aspectos: social, ambiental, econômico e individual.
Do ponto de vista social, impossibilita uma melhor qualidade de vida, seja pelo enorme tempo de deslocamento, seja pela falta de conforto no transporte coletivo e de massa. Do ponto de vista ambiental, o modelo de transportes urbanos é de baixa eficiência energética, com alta emissão de carbono - contribuindo para as mudanças climáticas - e alta geração de poluentes, trazendo prejuízos à saúde de todos.
Visando explorar melhor os aspectos econômicos e individuais, o Instituto Akatu combinou os dados de sua última pesquisa "Rumo à Sociedade do Bem-Estar" com os dados do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - e do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -, chegando a impressionantes impactos negativos decorrentes da imobilidade que tomou conta dos grandes centros urbanos.
Segundo o Ipea, o tempo médio gasto em deslocamento nas nove regiões metropolitanas (Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília) é de 82 minutos. Caso esses 82 minutos diários fossem zerados e convertidos em horas trabalhadas, teríamos um ganho de produção de R$ 300 bilhões ao ano, o que representa 7,3% do PIB brasileiro.
Obviamente, o deslocamento zero não é viável. Considerando como razoável um gasto de até 30 minutos por dia para ir e voltar do trabalho, apenas 26% da população, segundo a pesquisa do Akatu, tem este privilégio. Se a totalidade dos trabalhadores nas regiões metropolitanas tivesse o tempo médio de deslocamento reduzido de 82 para 30 minutos, e se os 52 minutos economizados fossem convertidos em horas trabalhadas, teríamos um ganho de produção de R$ 200 bilhões ao ano, equivalentes a mais de 5% do PIB brasileiro.
O mais provável é que os 52 minutos economizados não sejam convertidos em horas trabalhadas, mas sim em horas de lazer, com a família, com os amigos, com o desenvolvimento pessoal, o que aumentaria muitíssimo a qualidade de vida dos trabalhadores.
De outro lado, um cidadão desgastado pelo longo deslocamento em sistemas de transporte com má qualidade chega ao trabalho já cansado e, por isso, acaba produzindo menos. Um gasto menor de tempo de deslocamento não significa mais horas de produção, mas certamente significa maior produção nas horas trabalhadas.
O Akatu usou a hipótese de que uma pessoa que gasta de 30 a 60 minutos por dia para ir e voltar do trabalho teria uma perda de produtividade de 2,5% em relação a pessoas que gastam menos de 30 minutos. E usou uma segunda hipótese para o tempo gasto no deslocamento de mais de 60 minutos, em que considerou uma perda de 5% na produtividade. Com essas hipóteses, a perda estimada de produção chega a R$ 90 bilhões ao ano, nas 9 regiões metropolitanas estudadas, chegando a 5% do PIB dessas regiões e a 2,5% do PIB brasileiro.
O tempo "economizado" com uma melhor mobilidade urbana poderá retornar em qualidade de vida para cada cidadão. Pode ser convertido em práticas de cuidado consigo próprio, pelo maior tempo para praticar exercícios, para dormir, para o lazer, e para atividades de desenvolvimento pessoal e profissional. A pesquisa do Akatu mostra que a felicidade para o brasileiro envolve, prioritariamente, saúde (66%), convívio social (60%), qualidade de vida (36%) e profissão e estudos (27%). Quanto mais tempo disponível para si mesmo e menos estressante for a ida e volta do trabalho, mais feliz o brasileiro será.
Considerando o tempo médio de deslocamento levantado pelo Ipea, os 82 minutos diários equivalem a quase 6 anos de uma vida produtiva, tempo suficiente para cursar uma faculdade. Caso o tempo médio fosse reduzido de 82 minutos para 30 minutos, a economia seria então de 1 mês e 1 semana em um ano, ou 3,5 anos em 35 anos. Já imaginou o que significaria para uma mãe ou um pai poder acompanhar em casa os primeiros 3,5 anos de seu filho? Ou acompanhar em meio período os primeiros 7 anos de seu filho?
Se, do ponto de vista ambiental, a questão central da mobilidade é a eficiência energética, do ponto de vista econômico refere-se à perda de produção. Se, do ponto de vista social, salta aos olhos a perda de qualidade de vida da população em geral, do ponto de vista individual há uma perda de autonomia na definição de como usar o tempo, talvez o bem mais precioso para um indivíduo. O tempo é totalmente perecível, no sentido que só pode ser usado uma única vez, sendo uma verdadeira tragédia não poder escolher como usar o próprio tempo. Se os governos investirem em modelos eficazes e eficientes de mobilidade urbana, todos ganham em qualidade de vida e em produtividade econômica. É urgente que isso seja feito com coragem política para tomar as decisões necessárias.
Os resultados da pesquisa realizada pelo Instituto Akatu mostram que a população das regiões urbanas preferem com nota 8, em uma escala de 0 a 10, a mobilidade com rapidez, conforto e segurança, em relação a ter um carro próprio, que recebeu nota 4. É isso mesmo: 8 a 4 em favor da mobilidade em vez do transporte com carro próprio. Os cidadãos percebem com clareza que cidades com maior mobilidade permitirão sociedades mais felizes para todos. Seria bom que os governantes levassem esse fato em consideração em suas decisões. O que mais deveriam considerar que não fosse o interesse de todos?
Valor, 17-03-2014.
*Helio Mattar é diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente.
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