quarta-feira, 30 de abril de 2014

Da esperança cívica

O próximo governante terá que mostrar competência ou carregar o legado de ter naufragado o país.

Por Alexandre Kawakami*
Como é sabido, o próximo governo vai sentar-se à mesa para pagar a conta. Ao contrário do governo atual e seu antecessor, que tanto tiveram a seu favor no cenário macroeconômico, o próximo, independente de quem seja, vai ter de mostrar competência ou carregar o legado de ter naufragado o país, ainda que as causas o antecedam. E olhando para os que se oferecem a nos governar, é tentador, senão cauteloso, achar que vão falhar todos.
Isto porque as soluções para as grandes questões que o próximo governo deve enfrentar muitas vezes não dependem todas de ajustes técnicos ou mudança legislativa. Dependem, sim, de sua capacidade de inspirar os que aqui vivem. Precisamos, antes de mais nada, de mais esperança, uma esperança cívica, agregadora, construtiva. É desta esperança que se constroem nações. O resto são meros países.
Tome a questão da estagflação, por exemplo. Como o nome indica, é a mistura perversa de inflação e estagnação econômica: a situação onde, ainda que o governo aumente a disponibilidade de dinheiro dentro de um economia, esta não cresce. É indiscutível que estamos passando por uma, ainda que possamos discutir sua gravidade.
Pois a estagflação tem um forte componente psicológico, ainda que sua origem tenha caráter quantitativo. É resultante da ânsia dos atores econômicos em aumentar seus ganhos imediatos através de preços cumulada à hesitação dos atores em realizar novos investimentos. Ambas as decisões pressupõem uma decisão humana pessimista, de curto prazo, desesperada. Quando reforçadas por fatores externos como a degradação de nossa qualificação de crédito soberano (rating) da Standard & Poors e outras agências, este quadro apenas piora, quando não se torna um círculo vicioso.
O mesmo pode ser dito da questão da segurança. Ao contrário do que pensam os sociólogos marxistas, não existe correlação causal entre escassez financeira e aumento da criminalidade. O que parece existir é uma correlação patente entre um ambiente sócio-cultural favorável ao crime e o aumento da criminalidade.
O crime é inerentemente contrário a tudo o que nos faz humanos: a ameaça à vida, a violação do patrimônio alheio são decisões que não nos são naturais e que precisam de racionalização e justificativa dentro de nossa psique. Onde estas racionalização e justificativa inexistem, o crime tende a ocorrer em menor número. Onde elas abundam, o crime prospera.
Acho que agora me entendem quando digo que carecemos de esperança cívica. Precisamos de uma razão, um espaço, uma plataforma, um ambiente onde possamos tomar decisões de longo prazo e de vantagens mútuas. Onde os preços se definem na presunção de estabilidade, e assim também os investimentos se realizam. Onde é mais recompensador adquirir meios pelo esforço do que pela força ou malícia. Onde podemos ser um aglomerado de indivíduos que cooperam e não que se digladiam.
Agora, olhem para os candidatos que se apresentam para fazer com que isto ocorra. É desanimador e dispensa comentários. Nenhum deles, no sentido mais literal da palavra, inspira confiança.
Mas é forçoso reconhecer que a oposição goza de uma vantagem considerável: todos nós já sabemos que a continuação do governo atual não trará novidades, que o governo atual é incapaz de se reinventar. E qualquer alternativa a este grupo será melhor, no mínimo, porque trará algum tipo de esperança. Se não a cívica que menciono, pelo menos algo próximo a um tipo de curiosidade misturada a um alívio temporário resultante da despedida destes que nos governam. Estes que são tão claramente mentirosos, incompetentes, presunçosos e ignorantes. Estes que são incapazes de sequer construir uma frase.
Se ao menos tivéssemos uma oposição, quero dizer.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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