sexta-feira, 18 de abril de 2014

Imprevisto, Imprevisível e Inevitável

 domtotal.com

QUANDO AS AUTORIDADES NÃO FAZEM O MÍNIMO PELAS ESTRUTURAS, ESTAMOS MUITO PRÓXIMOS DO CAOS.

Por Max Velati*Para os gregos, a deusa Destino – Ananke - era muito especial. De acordo com algumas tradições Ananke era filha do Caos e da Noite. Sua divindade era de uma natureza tão especial que até mesmo Zeus estava sujeito a seus caprichos misteriosos. Nem mesmo o senhor do Olimpo estava protegido do Destino, porque ninguém está protegido do que é Imprevisível. Ananke era por definição a deusa do Inevitável.

Foi a Igreja Católica quem rompeu o acordo entre o homem e a deusa Destino. De algum modo fomos convencidos de que, mesmo nas mãos de Deus, temos toda a responsabilidade sobre o nosso destino individual e coletivo. E devemos entender que aquilo que fazemos e o que recebemos está regulado por uma lei que pretende possuir a solidez e a precisão de uma lei científica.

Com certeza da fé e com a disciplina da Ciência cultivamos uma crença solene de que podemos lidar com imprevistos, mas a verdade é que há uma distinção importante entre o imprevisto e o imprevisível e não estamos preparados para aceitar a vida como sendo essencialmente imprevisível.

Nas grandes cidades, a diferença entre o imprevisto e o imprevisível é fundamental.

Os grandes centros urbanos oferecem ao cidadão uma "estrutura" na forma de produtos e serviços. Essa estrutura é “aberta” e, com isso, quero dizer que é vulnerável, sujeita a variáveis importantes que podem modificar a natureza e a qualidade dos produtos e serviços que o cidadão recebe. Se a estrutura é aberta e sujeita a variáveis, isso significa que produtos e serviços podem melhorar ou piorar. Também significa que podem piorar até tornarem-se enfermidades. Nesse caso, o produto ou serviço que antes representava um benefício acaba se transformando em um malefício e por fim podem atuar como agentes disseminadores da enfermidade da qual padecem. Um exemplo concreto é quando as forças criadas para manter a ordem acabam por tornarem-se elas próprias agentes da desordem; o policial que se transforma em criminoso, o juiz que corrompe a lei... Esses seriam exemplos de um benefício que contraiu uma grave enfermidade.

Quando as autoridades, os políticos e os técnicos se debruçam sobre um problema urbano, procuram – ou esperamos que procurem – elaborar um plano de ação que solucione o problema e para isso levantam – ou esperamos que levantem – o maior número possível de variáveis. No projeto ideal nada é deixado ao acaso, mas a verdade é que o problema sempre é o acaso.

O acaso e o imprevisto.

Todas as estruturas das grandes cidades são criadas na certeza de que os imprevistos serão de alguma forma contornados ou solucionados. Ninguém está disposto a admitir que o Imprevisível está sempre além do nosso comando e sempre esteve.

Quando as autoridades, os políticos e os técnicos não fazem sequer o mínimo para garantir a saúde das estruturas, dos serviços e dos produtos, estamos muito perto do Caos e as chances de nos aproximarmos do Inevitável são perigosamente grandes.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.

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