‘Minha luta’, libelo da propaganda nazista de Hitler, ganha nova edição e gera protestos.
Por Marco Lacerda*
Após 70 anos do término da Segunda Guerra Mundial, o livro Minha Luta, de Adolf Hitler, será reeditado na Alemanha. Em 31 de dezembro de 2015 expiram os direitos autorais da obra e ela entrou em domínio público, ficando legalmente permitido que seja reeditada.
Os direitos autorais de Mein Kampf pertencem, desde o julgamento póstumo de Hitler, morto em 1948, ao governo da Bavária. Desde então, o Ministério das Finanças da Alemanha proibiu que a obra fosse publicada em qualquer lugar do planeta.
Desde 2012, o Instituto de História Contemporânea de Munique tem um projeto de publicar uma edição comentada do livro, para o qual recebeu R$ 1,6 milhões do próprio governo. Outros setores políticos da Bavária repudiaram a iniciativa. “Nossa posição é de que será preciso deter o projeto”, disse Christine Haderthauer, chefe do gabinete:. “Não é tarefa do estado difundir propaganda nazista”.
A posição não é unânime. De acordo com o ministro da Cultura da Bavária, Ludwig Spanele, “não se pode atentar contra a liberdade científica”. Até o momento, a publicação do livro editado pelo instituto está liberada, mas ela pode abrir precedente jurídico para que qualquer edição seja publicada, até mesmo uma que apoie o seu material político.
A contradição continua com o artigo 130 do código penal alemão, que proíbe a divulgação, posse, e difusão de material que possa incitar o nacional-socialismo. É o caso, é claro, de Mein Kampf. Há decadas, o governo da Alemanha luta para conter a profusão de cópias da obra do ditador na internet.
Ideais criminosos
Publicado originalmente em 1925 pela editora do partido nazista, Franz Eher, Minha Luta descreve os ideiais antissemitas, racistas, sexistas, xenófobos e nacional-socialistas de Adolf Hitler
O banco dos réus no julgamento realizado em 15 de outubro de 1948 em Munique estava vazio, e tampouco havia um advogado que defendesse o acusado ausente, uma contrariedade que não irritou a ninguém na sala, por uma questão de bom senso. O acusado, Adolf Hitler, havia se suicidado com uma pistola Walther calibre 7,65 milímetros, em 30 de abril de 1945, na solidão de seu bunker em Berlim.
O processo foi breve, e a decisão da corte outorgou ao Ministério de Finanças da Baviera um título legal inédito. Naquele dia, o juiz determinou que não era necessário mencionar as razões para declarar culpado o ex-ditador, e sentenciou que todos os seus bens na Baviera, incluídos os direitos autorais de um livro escrito por Hitler, deviam ser confiscados e passar às mãos da administração bávara.
A sentença transformou o Ministério de Finanças em proprietário dos direitos autorais do livro Minha Luta, que pertenciam à editora do partido nazista, Franz Eher. Mas o presente judicial não enriqueceu as arcas do Estado bávaro, na ocasião quase vazias. A sentença obrigou as autoridades do ministério a levarem a cabo uma solitária cruzada para impedir que a obra máxima do Führer voltasse a ser editada no planeta Terra.
Mas a cruzada bávara esbarrou em um problema judicial. Os direitos autorais de Minha Luta caducam em 31 de dezembro de 2015, uma data que permitirá que o livro entre em domínio público e possa voltar a ser impresso. Para evitar novas edições financiadas por partidos de extrema direita na Alemanha, o Instituto de História Contemporânea de Munique conseguiu obter, em 2012, uma permissão do governo bávaro para publicar uma ambiciosa edição comentada do livro maldito.
Propaganda nazista
O ambicioso projeto esteve a ponto de fracassar em dezembro do ano passado quando a chefa do gabinete bávaro, Christine Haderthauer, anunciou que o Governo continuaria impedindo a publicação do famoso livro, mesmo depois de expirarem os direitos autorais. “Nossa posição é de que será preciso deter também o projeto do Instituto, porque não é tarefa do Estado difundir propaganda nazista”, disse a chefa do gabinete bávaro.
Mas o rigor das decisões políticas do governo bávaro é imprevisível, e o ministro da Cultura da Baviera, Ludwig Spaenle, anunciou, após um violento debate no parlamento regional, que Munique renunciaria a adotar novas medidas judiciais para impedir o trabalho de reedição de Minha Luta, realizado pelo Instituto de História Contemporânea.
As declarações do político causaram alívio na sede do instituto, mas deixaram no ar uma interrogação que só poderá ter uma resposta a partir de 1º de janeiro de 2016, quando uma editora tentará colocar à venda no país uma edição não comentada do livro maldito.
“Já não haverá mais problemas legais para continuar nosso trabalho, e tampouco teremos que devolver o dinheiro (1,63 milhão de reais) que o Governo nos deu para o projeto”, disse Simone Paulmilch, porta-voz do instituto bávaro. “Ainda não conhecemos a dimensão das declarações do ministro, mas pode-se supor que tampouco haverá medidas judiciais contra outras publicações, embora as leis continuem vigentes”, acrescentou.
Uma sentença de 1979 da Corte Suprema alemã permitiu a venda do livro em antiquários, e os detetives bávaros tampouco sabem como impedir sua difusão pela internet, onde os nostálgicos de Hitler continuam oferecendo downloads gratuitos e em vários idiomas. Mas a Baviera tenta manter-se fiel o artigo 130 do Código Penal, que castiga com penas de prisão a incitação ao ódio racial e proíbe escritos que, como o Mein Kampf, possam ser utilizados como propaganda para difundir os ideais do nacional-socialismo.
Adolf Hitler começou a escrever seu livro em 1924 quando cumpria pena na prisão de Landsberg. Ele escreveu as últimas páginas em Obersalzberg, um idílico local nos Alpes bávaros, onde o ditador possuía uma casa. A edição do primeiro volume do livro saiu em julho de 1925, e o segundo, em 1926.
"Minha Luta", de Adolf Hitler - Veja o vídeo:
* Marco Lacerda é jornalista, escritor e editor-especial do Domtotal
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