França recebe com aplausos 'A festa da insignificância', nova obra do autor checo.
Por Jesús Ruiz Mantilla*
Bibliografia selecionada
A Brincadeira (1967).
Risíveis Amores (1968).
A Vida Está em Outro Lugar (1972).
A Valsa dos Adeuses (1973).
O Livro do Riso e do Esquecimento (1979).
A Insustentável Leveza do Ser (1984).
A Arte do Romance (1986).
A Imortalidade (1988).
A Lentidão (1995).
A Identidade (1998).
A ignorância (2000).
A Festa da Insignificância (a ser lançado no Brasil).
Com ironia, menos pesar do que o esperado por alguns e distante, mas atento, Milan Kundera (nascido em Brno, República Checa, em 1929) voltou ao panorama da literatura europeu. A França esperava a chegada nas livrarias de La Fête de L’insignificance (‘A Festa da Insignificância’, editora Gallimard, ainda a ser publicado no Brasil), que sairá a público em setembro na Espanha pela Tusquets (chegou antes na Itália, com 100.000 exemplares vendidos e uma discreta repercussão). E longe de ser resolvido, o enigma do escritor esquivo e recluso, escondido e voluntariamente desligado de sua língua materna —escreve em francês desde A Lentidão, lançado em 1994—, revela-se um pouco mais agora.
“Leve como uma pluma de perdiz ou de anjo”, compara o Le Monde, Kundera voa alto no romance que aparece agora, 14 anos depois de A Ignorância. Por onde andou? O que estava fazendo? Afastar-se, ocultar-se, ler em francês, alemão e checo, as línguas que domina. Aprofundar talvez os meandros kafkianos que tanto o apaixonam e reconhecer neles os sinais deste tempo difuso, indescritível.
Autor invisível
Kundera tenta passar despercebido com sua vocação de autor invisível, apesar das polêmicas que lhe perseguiram, sobretudo em seu país de origem. Foi acusado de ter colaborado com o regime comunista, e ele se recusou a revisar suas traduções do francês ao checo —“Por falta de tempo”, chegou a dizer; leia-se, não tem vontade—. Rompeu quase todos os vínculos que lhe uniam à República Checa. Isso, depois de ter esmiuçado brilhantemente a uma terra central e sofrida, serena e humilhada pelos grandes flagelos do século XX.
O peso de um legado escuro em busca da luz —ou do absurdo— definiu sua obra desde Risíveis Amores até A Brincadeira; de A Vida Está em Outro Lugar até A Insustentável Leveza do Ser —publicado em seu país em 2004, mas um clássico desde meados dos anos 80—. Também serviu de guia ao seu estilo cada vez mais enigmático e polissêmico em livros como A Imortalidade, A Lentidão ou neste último lançamento, que em espanhol será publicado como A Festa da Insignificância.
Sua editora Beatriz de Moura, nascida no Rio de Janeiro, está traduzindo do espanhol uma obra que o autor levava um tempo comentando com os mais íntimos. Começa com pinceladas eróticas e ares pós-modernos de Morte em Veneza, entre a contemplação de um umbigo e a comparação do sagrado símbolo romântico dos seios femininos com a efígie da Virgem Maria.
De Moura, dedicada e árdua defensora de Kundera, revela alguns detalhes: “Estão presentes quase todos os temas preferidos do autor e levados à sua essência: a maternidade, a sexualidade, o poder com suas facetas —desde a crueldade e a arbitrariedade até o absurdo e a ternura—, a grosseria do falacioso...”.
Afastado e oculto
Tudo isso, com uma pitada de humor. É o que mais surpreendeu a editora. Esse equilíbrio magistral nas entrelinhas: “Fácil de ler, mas difícil de compreender”, garante. “No geral, Kundera mostra uma visão descontraída do mundo que não para de cair no ridículo e que termina em um festejo burlesco”.
Sobre essa profunda leveza concordam as resenhas francesas e italianas. “O grande retorno de Kundera”, atesta o Le Figaro. “A última valsa…”, destaca o Le Nouvel Observateur, prevendo que já não haverá outra igual. Como uma “pequena e encantadora comédia humana”, definiu o La Repubblica, ao passo que o Corriere della Sera descrevia o livro como um “divertimento surreal e uma parábola felliniana na qual se mesclam personagens com elucubrações extravagantes”.
Mais Falstaff que Hamlet, Kundera apresenta-se novamente nesta etapa final de sua vida e de sua obra, com 85 anos completados neste mês. Imprevisível e muito livre, insólito e inesperado, no tempo que mediou desde seu último lançamento literário, o autor ingressou na coleção da Plêiade de Gallimard, algo como o olimpo da literatura francesa, onde se junta a Proust e Balzac. E também viveu mergulhado em uma polêmica: em 2008 uma revista checa lhe acusou de delatar em 1950 à polícia comunista, um estudante que passou 22 anos na prisão.
Entretanto, Kundera tem ganhado uma fiel e crescente legião de seguidores na Espanha, que o descobriram graças ao olho clínico de Toni López Lamadrid (1938-2009). Companheiro de Beatriz Moura, foi ele quem a cutucou para apresentar-se em um agradável dia em Paris, para convencê-lo que publicasse com a Tusquets. Havia chegado aos seus ouvidos que o escritor não estava contente com sua editora anterior na Espanha e queria mudar. A partir daí, começaram a trabalhar uma amizade, que dura até hoje. Um de seus segredos: não diz uma palavra. É impossível conseguir informações por meio dela, nem onde vive, nem em que trabalha.
Bibliografia selecionada
A Brincadeira (1967).
Risíveis Amores (1968).
A Vida Está em Outro Lugar (1972).
A Valsa dos Adeuses (1973).
O Livro do Riso e do Esquecimento (1979).
A Insustentável Leveza do Ser (1984).
A Arte do Romance (1986).
A Imortalidade (1988).
A Lentidão (1995).
A Identidade (1998).
A ignorância (2000).
A Festa da Insignificância (a ser lançado no Brasil).
* Jesús Ruiz Mantilla escreve para o El País, onde esta reportagem foi publicada originalmente.
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