quarta-feira, 2 de abril de 2014

Na terra e nas nuvens

Concluo que aqueles que decidem ou omitem opiniões não se responsabilizam pelo que fazem.

Por Alexandre Kawakami*

Eu já escrevi anteriormente sobre a Teoria do Conhecimento de Carl Menger. Basicamente, ela afirma que a unidade do conhecedor só pode ser o indivíduo. Existem duas conclusões interessantes que surgem desta noção. 

A primeira delas é a de que não existe um conhecedor coletivo. Desse ponto de vista, frases como "o entendimento do Supremo Tribunal Federal" são fictícias, na melhor hipótese, e enganadoras na pior. O que existe é o entendimento dos juízes que, a certo tempo, compuseram o Supremo Tribual Federal.

A segunda é a de que o melhor conhecedor é o que está diretamente ligado ao objeto do conhecimento, imerso em suas circunstâncias e contexto, os quais podem ser inúmeros. Aqui, é importante notar que não estamos falando do fato de que um expert sabe mais sobre determinado tópico do que o leigo (apesar dessa afirmação ser relevante ao que discutimos considerando-se que o expert está, em princípio, mais exposto ao objeto do seu conhecimento). Estamos falando do fato de que a testemunha direta dos fatos tem mais condição de apreendê-los do que os que ouvem um relato já desconexo de seu objeto.

Mas por que estou chateando com este emaranhado retórico? Dois fatos me chamaram atenção nesta semana, fatos que me parecem ligados com o que descrevi acima e com o sistema jurídico atual.

Em teoria jurídica, nossas instituições são estruturadas para distanciar quem faz e aplica as leis dos que se sujeitam a ela. A justificativa é a de que a imparcialidade nestas atividades demanda que tais atores se destaquem de pressões de qualquer natureza. Assim, um deputado goza de uma série de imunidades que nós, da vala comum, não gozamos, porque sem tais imunidades o deputado não teria liberdade de legislar. Assim também o juiz, cuja autonomia para emitir decisões lhe garante a liberdade para decidir como ele acha que é em conformidade com a lei.

Entretanto, é esse distanciamento que muitas vezes permite absurdos. O primeiro fato que me chamou a atenção foi o desabafo de um delegado de polícia, chamando a atenção para decisão de juíza libertando quadrilha de menores que traficava drogas e portava armas de uso restrito às Forças Armadas. O vídeo pode ser visto aqui

O outro fato que me chamou a atenção foi o resultado da pesquisa do Ipea sobre a mentalidade do brasileiro sobre o estupro. Nem tanto pelos méritos da pesquisa, mas pelo fato de que, em algum lugar dentro de algumas pessoas, o estupro pode ser justificado.

Nesses dois casos, essas conclusões só me parecem possíveis porque os que tomam tal decisão, os que emitem tal opinião, não são responsabilizados pelo que fazem. E nesta condição, onde estão nos céus, fora das circunstâncias, imunes a suas consequências, olhando para os que embaixo permanecem, o pior do ser humano prevalece.
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da MontPelerinSociety, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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