terça-feira, 8 de abril de 2014

O holocausto brasileiro

Sessenta mil doentes mentais morreram no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena.

Por Carlos Eduardo Leão*

O resgate da memória histórica baliza o compromisso que todos devemos ter com tudo que diz respeito à nossa evolução como povo e nação. Assim sendo, não há possibilidade de evolução naquela nação que não preserva o seu passado, os seus costumes, os seus heróis, enfim, a sua verdadeira história. 

E nessa ordem de idéia surge a figura do museu que, sem dúvida, é o maior guardião da memória social no mundo contemporâneo. É nele que encontramos todo um acervo, disposto num espaço, que nos leva a pensar e refletir sobre o passado, o presente e o futuro.

Essas reflexões são fruto de uma visita que fiz ao Museu da Loucura, anexo ao Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, na charmosa cidade homônima, ambos mantidos pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG, o qual recomendo aos que me lêem, principalmente pela riqueza histórica de seu triste e emblemático acervo.

A história da psiquiatria brasileira no final do século XIX e metade do XX escreve uma triste página na medicina aqui exercida. Confunde-se com uma época a ser esquecida dessa extraordinária especialidade médica nos quatro cantos do mundo, muito pelo despreparo e desconhecimento que faziam dos "alienados", verdadeiras escórias da humanidade.  

A loucura é o "câncer" da mente e o louco é, antes de tudo, um doente social, rejeitado desde sempre pela sociedade que quer vê-lo afastado do seu convívio, de preferência em hospícios longínquos, destinos certos desses desafortunados normalmente esquecidos pela família até a morte.

Para Barbacena, na transição dos séculos citados, eram transportados os doentes mentais de todas as partes, trazidos pelos famosos "trens de louco". Internavam-se no único hospício do Estado e um dos poucos do país e logo se transformariam em figuras grotescas de corpos arruinados pelo descaso, pelo despreparo, pelo desamor, ou ainda, pelo eletrochoque e pelas lobotomias, pretensos tratamentos para acalmar estes infelizes, cujos corpos rejeitados eram vendidos para as Faculdades de Medicina onde, paradoxalmente, cumpririam o mais sublime dos destinos: dar a nós, médicos, o substrato necessário para a evolução, principalmente para a reversão da inconseqüência. 60 mil doentes morreram no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena.

Muito importante numa visita a um museu é a capacidade de percepção que o visitante deve ter sobre o que pode ser comemorado, lembrado, silenciado e esquecido. Isso leva, inexoravelmente, às dúvidas e questionamentos que permeiam as mentes dos aficionados na história contida nos mais diversos museus. 

E não é diferente quando se fala no Museu da Loucura. Inaugurado em agosto de 1996, ele cumpre uma função social importantíssima ao perpetuar, reitero, uma triste história da psiquiatria brasileira que esbarra na dimensão desumana do descaso, do desrespeito e, sobretudo, com a falta de amor com aqueles que padeciam dessa verdadeira "neoplasia malígna"da mente- a loucura. 

A concepção excludente da doença, latu sensu, dimensiona o mundo da dor que encontramos em cada espaço desse importante museu na história que conta da instituição psiquiátrica brasileira do século passado. Cumpre assim a importante missão de mostrar um passado doloroso e, ao mesmo tempo, uma edificante estratégia de esforço para que isso nunca mais aconteça, descortinando assim  um futuro radiantee digno para aqueles que sofrem com os transtornos insondáveis da mente.
*Carlos Eduardo Leão é médico e cronista.

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