A força do verbo é sempre reafirmada, mas é preciso atentar para a expressividade do silêncio.
Por Carlos Ávila*
Com tantos ruídos produzidos por máquinas de todos os tipos, automóveis, música alta (em geral, sem qualidade), gente falando também alto nos locais públicos, parece que o silêncio se extinguiu de vez, não há mais espaço ou lugar para ele no mundo atual. Inclusive, o silêncio ficou, erroneamente, associado à tristeza, ao vazio, à falta de alegria ou de vida. Em geral, é insuportável para as pessoas ficar em silêncio ou num ambiente silencioso. Para elas, é uma espécie de morte.
Na mitologia, o silêncio é uma divindade alegórica, representada pela figura de um jovem com o dedo sobre a boca. Esta imagem lembra imediatamente a interjeição psiu! – empregada para fazer calar. Quem nunca fez esse gesto, utilizando a pequenina palavra para pedir silêncio? Pois é, muitas vezes somos obrigados a isso, diante de tantos ruídos ou sons desagradáveis – desarmonias do nosso dia a dia.
Um pouco de silêncio poderia, sem dúvida, fazer bem ao mundo. O ruído, em geral, é estressante e pode até levar ao esgotamento. Infelizmente, o que se constata hoje é a ausência de sensibilidade ou consciência em relação ao silêncio, à necessidade do mesmo para manter nosso equilíbrio. Em silêncio pode-se entrar em conexão com o universo interior, com o que há de mais “fundo” ou íntimo dentro de si mesmo. O silêncio propicia a meditação, a reflexão interna, o diálogo da pessoa com ela mesma.
Nas artes, o silêncio sempre teve um papel expressivo, estrutural e significativo. Não há, por exemplo, música sem silêncio, sem pausa ou suspensão do som. Na poesia o silêncio também está presente, no corte do verso ou no enjambement, nos espaços em branco, na disposição visual das palavras na página. O silêncio diz muito numa peça teatral ou no cinema, pontuando os diálogos, acentuando o drama vivido pelos personagens, os conflitos e as dúvidas. Ele está presente também nas artes plásticas. Mesmo na dança ou na arquitetura encontra-se o silêncio, enquanto manifestação, respectivamente, corporal e material.
Há o silêncio da música de Webern e de Cage, assim como há silêncio no canto de João Gilberto. Há o silêncio da poesia de Mallarmé ou de Augusto de Campos (a prosa é menos dada ao silêncio, mas também faz uso dele de uma forma muito própria). Há silêncio nas obras de Beckett e de Bergman – em geral, bastante significativo. Há silêncio em Mondrian, em Malevich e Miró. Enfim, não há manifestação de linguagem sem espaços “abertos” ou signos silenciosos.
O silêncio muitas vezes é eloquente, paradoxalmente eloquente. Diz tudo sem dizer nada. A força do verbo (ou do som) é sempre reafirmada, mas é preciso igualmente atentar para a expressividade do silêncio. Contam que quem muito sabe, pouco fala. Muitas vezes é necessário (ou melhor) calar. O próprio amor está além das palavras, não é inteiramente traduzível. Trata-se também de uma linguagem, talvez a mais silenciosa e profunda.
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto Sentido e Área de Risco (poesia); Poesia Pensada (crítica) e Bri Bri no canto do parque (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.
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