quinta-feira, 10 de abril de 2014

Pelé e a morte normal

E lá vai o rei do futebol, de novo, para o 'pelourinho' da execração pública.

Por Celso Adolfo*

Declaração de Pelé é manchete, e ele sempre paga por isso. Ao falar sobre o Itaquerão, a morte de um operário e atraso nas obras, estas duas coisas ao mesmo tempo deu nisso: "Isso é normal, pode acontecer (a morte de um operário), mas a minha maior preocupação é quanto à estrutura, os aeroportos, porque no Brasil sempre dá-se um jeitinho" (Folha-07/04/14). A conjunção estragou tudo: a morte é normal, acontece, "mas", a maior preocupação é quanto à estrutura, os aeroportos...

Pelé jamais achará que morte de operário seja normal. Normal só a "morte natural", que é inevitável. A outra resulta de provocação. O Rei passa a vida sofrendo com o que quer dizer. Quando dedicou gol no 1000 às criancinhas pobres do Brasil, apanhou feio. Pior foi quando disse que o povo não sabia votar, pois disse isso quando estávamos na ditadura. Precisávamos do direito ao voto certo ou errado, mas o voto. Pelé tinha lá alguma razão?  Pois ainda hoje se diz que o povo não sabe votar porque elege e reelege político picareta pra tudo que é lado e não se dá conta disso. 

Sobre isso, permiso para contar um caso. Na fila para votar para senador, num grupo escolar, algumas professoras entram atrás de mim. Não sabendo em quem votar elas resolvem: ah, vamos votar nesse Azeredo mesmo, que é pra mandá-lo pra bem longe daqui. Com vontade de mandar Azeredo para bem longe daqui, o agora ex-deputado ganhou alguns votos e foi mandado para bem longe, Brasília, e exerceu o poder que o cargo lhe deu, inclusive em nome das professoras que o queriam longe de BH. Pelé até teria o direito de levantar a questão, mas a questão é que estávamos sob ditadura. Nela, não há voto, e o voto é imprescindível, até esses que foram dados sob argumento tão estúpido. 

Até quando se expressa no mundo que domina, o rei do futebol fala e a turma deita e rola. Pelé tem o direito de querer ou não assessoria. Pagará por uma coisa ou outra. Ele vai falando como quem escreve mal e se enrola nos sentidos do que quer dizer. Nas imagens que temos dele, um passe errado num jogo é uma grosseria que para ele não existia. Já com as declarações, um passe pro lado inesperado acontece, incluindo a infeliz dificuldade que teve para assumir como sua filha aquela moça que era a cara dele, que tinha um pai e morreu sem ele. E, assim, Edson vai confundindo-se e a tudo e todos. Uma pena.

Com mais o caso do Itaquerão-atrasadão, o Rei do Futebol vai penando com as interpretações negativas sobre o que declara. A morte do operário quase passa batido diante dos problemas da obra, como se não fizesse parte dela. 

Todo mundo está furioso com obras que não ficarão inteiramente prontas oito anos depois de anunciada a Copa do Mundo. O Brasil batalhou pela Copa. Multidões (eu no meio) vibraram quando a Fifa levantou a plaquinha com o nome do país sede: BRASIL. Ninguém tinha noção do que era aquilo? Agora sabemos que não. A coisa começou a andar e a população se enfureceu quando viu números e comparou o caderno da Fifa com o Brasil real. E aí o povo deu pau na Copa, na Fifa e especialmente na policatilha toda, meio de onde poucos se salvam.  

E tudo ficou insuportável. Dinheiro, aos bilhões, são repassados e mal aplicados e roubados. Como pegar essa rapinagem? As manifestações, justíssimas, confusas ou não, exigiram e voltarão a exigir resposta. Políticos que se virem, pois sua mentira está com a perna curta e a corda da paciência já puiu.

Avariados por antiga e infalível combinação entre quem detém o poder político e aquele que está com todos os dinheiros nacionais, os brasileiros passamos uma vida diante de incríveis manobras que nos enganam em tudo, e em todos os estados, havendo ou não Panamericano, Copa, Olimpíadas.

E o que Pelé tem com isso? Sendo quem é, Edson volta para o limbo porque expressou-se mal sobre a morte de operários, que é triste demais, assim como é tristíssima e antiga e pertinaz a desfaçatez daqueles que manejam o jogo político com mãos sujas e gestos dissimulados.

Os portões ainda não foram abertos, mas, já se percebe o enorme conflito: torcer pelo sexto título ou quebrar o pau de novo? Ou uma coisa e depois a outra? Indiferença não rola mais.
*Celso Adolfo é violonista e compositor.

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