sexta-feira, 4 de abril de 2014

Projeto econômico à serviço da vida

Marcus Eduardo de Oliveira

Os dados disponíveis sobre o uso da Terra apontam que “em 1961, precisávamos de metade da Terra para atender às demandas humanas. Em 1981, empatávamos: precisávamos de uma Terra inteira. Em 1995 ultrapassamos em 10% sua capacidade de reposição, mas era ainda suportável”.

Os “alarmes disparados” pela comunidade científica, desde então, continuam anunciando a expansiva agressão sofrida pela Terra. Entre agosto e setembro de cada ano atingimos o Earth Overshoot Day, ou seja, o Dia da Ultrapassagem da Terra. Em outras palavras, o Earth Overshoot Day é o marco anual de quando a demanda da humanidade sobre a natureza ultrapassa a capacidade de renovação possível para o ano.

A razão precípua desse transbordamento (overshoot) está na errônea ideia largamente praticada pelas sociedades consumistas de que o progresso é conquistado a partir da acumulação de riqueza, o que leva a uma dominação da natureza e de seus bens e serviços, sem nenhum cuidado para com os serviços ecossistêmicos.

É por isso que, como bem assevera Leonardo Boff, “a espécie humana ocupou 83% da superfície do planeta, depredando seus bens escassos e modificando a base físico-química de sua infraestrutura ecológica. O consumo humano ultrapassou em 30% a capacidade de reposição dos bens e serviços naturais produzidos pela Terra”. (BOFF, 2012, “O Cuidado Necessário”, ed. Vozes).

Progresso e modernidade não podem, em hípotese alguma, acontecer mediante a devastação do equilíbrio ecológico, pois isso contraria a própria noção implícita nas benesses dessas conquistas humanas.

A esse respeito, continua L. Boff argumentando que “o grande equívoco de todo o projeto da Modernidade fundado no paradigma da conquista e da dominação, foi não ter levado em consideração a Terra, pressupondo ilusoriamente que ela fosse infinita em seus bens e serviços e ilimitada em sua resiliência. A exaustão de seus recursos escassos, a degradação de seus solos, florestas, águas, oceanos, atmosfera e a desumana desigualdade social que provocou, conjugando a injustiça ecológica com a injustiça social, são os sinais de seu fracasso e incapacidade de resolver os problemas criados por nossa civilização” (Op. cit. p. 75)

A partir disso, somos convidados a uma reflexão: o que pensar, o que fazer, e, principalmente, como mudar esse modelo caótico e perverso que mediante mais “produção” (econômico-industrial) promove mais e mais “destruição” (ambiental)?

Duas alternativas são postas como caminhos a serem transitados: continuar priorizando o mercado que exige mercadorias diversificadas a todo instante ou olhar com respeito e atenção redobrada para a qualidade de vida? Continuar com a prédica traçada desde os trabalhos seminais das ciências econômicas que pontuam que crescimento econômico é remédio eficaz para a cura dos males sociais ou fazer com que essa mesma ciência esteja submetida ao projeto de vida, cuja essência mor é a qualidade (desenvolvimento) e não a quantidade (crescimento)?

Respostas para essas questões estão soltas por aí, embora haja mais dissenso que consenso em matéria de se pensar a intrincada relação economia–natureza–recursos – desejos –produção-consumo.

Eric Hobsbawn, um dos mais brilhantes intelectuais de todos os tempos, a esse respeito assim se posicionou: “Ou ingressamos num outro paradigma ou vamos encontrar à escuridão”. Por outro paradigma, o renomado historiador quis dizer que não basta fazer mudanças no sistema, é preciso mudar o sistema.

Destruir a natureza em troca dos apelos da voracidade do mercado de consumo é, antes disso, destruir as teias que sustentam a vida. O mercado, assim como toda a economia, depende de algo que está acima de tudo isso: a natureza.

A economia, como atividade produtiva, é apenas um subproduto do ambiente natural e depende escandalosamente dos mais variados recursos que a natureza emana. Nós, seres humanos, como todos os seres vivos, somos partes e não o todo desse ambiente natural que contempla a riqueza do viver. Por isso é sempre forçoso ressaltar que não estamos na Terra; somos a Terra. Não ocupamos a natureza como meros participantes dela; somos a própria natureza.

A economia, sendo um espaço de conhecimento das ciências humanas, não pode prescindir de ajudar na disseminação de um discurso em prol da vida, e não a favor do deus mercado como tem sido frequente desde o surgimento da Escola Clássica no século XVIII. 
Discutir desenvolvimento pelas lentes das ciências econômicas é, antes de mais nada, pensar em aspectos qualitativos, e não na atual dimensão econômica dos projetos que apontam, unicamente, para o aspecto quantitativo (fazer a economia crescer). 

Perceber a economia apenas pela quantidade de coisas produzidas é um erro abissal que somente tem “provocado” o acirramento da cultura do desperdício e da falta de parcimônia em matéria de regular a atividade produtiva, ao passo que aprofunda o consumismo, essa chaga do sistema capitalista.

Definitivamente, o projeto econômico precisa estar à serviço da vida em suas dimensões, incluindo, principalmente, a perspectiva ecológica. Urge pensarmos na perspectiva de que o modelo aí posto está errado e já passou da hora de propor a sua ruptura.
(*) Economista. Especialista em Política Internacional e Mestre em Integração da América Latina (USP). Professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo | prof.marcuseduardo@bol.com.br

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