Não é preciso ser pedagogo para perceber riscos da exposição de crianças a essa carga negativa.
Por Ricardo Soares*
Bia Rosenberg, experimentada diretora de programas infantis educativos para a televisão, disse outro dia no programa "Ver TV", da TV Brasil, que considera mais grave ainda do que a exposição excessiva das crianças à televisão a exposição excessiva delas diante do telejornalismo brasileiro. Sem transcrever as palavras literais dela, seu raciocínio deriva para o quanto de maus exemplos, violência, barbárie e falta de ética as crianças brasileiras são expostas em horários matinais, vespertinos e noturnos. Bia tem razão.
Não raro vivemos criticando a qualidade dos desenhos, os comerciais – agora com restrições – nos horários infantis ou mesmo a longa e gradual imbecilização que a nefasta Xuxa levou para gerações com seus ganidinhos debilóides e toda aquela estética de joguinhos idiotas e musiquinhas para encher os próprios bolsos. Xuxa é uma "serial killer cerebral", como já apontou há muito tempo a educadora e escritora Fanny Abramovich.
Mas não estou aqui para falar da geriátrica Xuxa e sim da pensata da Bia. O que ela aponta é mesmo da maior gravidade. As crianças são expostas todos os dias a "datenização" do jornalismo caboclo e toda aquela sorte de gritarias, bravatas, câmeras escondidas, câmeras de segurança que mostram porradaria, assassinatos, estupros, socos, pauladas e um vale tudo de violência que fazem o antológico "Laranja Mecânica" de Stanley Kubrick ficar parecido com Bambi.
Não é preciso ser nenhum daqueles chatésimos pedagogos ou psicanalista infantil dono de verdades absolutas para perceber que as crianças estão expostas todos os dias a essa carga negativa da humanidade que corre o risco de os transformar, de alguma forma, em autômatos robotizados induzidos a crer que esse mar de sangue é apenas um videogame. Exagero? Juro que não acho, diante de tantos relatos de violências praticadas por crianças e adolescentes eivados de uma insensibilidade assustadora.
Quiçá a criança e os adolescentes brasileiros fossem mais expostos ao que Bia Rosenberg e outros profissionais de mesmo quilate produzem. Mas aí seria preciso uma grande revolução na programação das TVs brasileiras, a começar da Globo, que já declarou seu pouco interesse em programação infantil nesse tempo de banalização da violência e desprezo pela sensibilidade. Saudades dos tempos em que acreditávamos em fábulas.
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor, entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC - Empresa Brasil de Comunicação.
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