sábado, 26 de abril de 2014

Vargas Llosa apoia luta contra o chavismo

“Seus mortos, seus torturados e suas lutas são nossas também”, diz o Nobel a estudantes.

Por Ewald Scharfenberg* 

A visita de um Nobel de Literatura não teria por que ser vista como um evento subversivo em nenhum país. Mas, em se tratando da Venezuela e de Mario Vargas Llosa, as coisas mudam de figura. “Não vim para provocar ninguém”, esclareceu na última quinta-feira o escritor, nascido no Peru e de nacionalidade espanhola. Havia chegado a Caracas na noite anterior, para uma apertada agenda de dois dias. “Venho dizer o mesmo que digo em meu país ou na Espanha.”

Vargas Llosa, um fervoroso defensor do liberalismo além de campeão das letras, não é um recém-chegado na Venezuela. Neste país ele obteve seu primeiro prêmio literário importante, o Rómulo Gallegos de 1967 por seu romance A Casa Verde, que lhe rendeu, aos 30 anos de idade, uma dotação de 100.000 dólares e a distinção precoce como emblema do boom latino-americano. Desde então, tem sido um visitante assíduo. Na última vez em que esteve na capital venezuelana, em maio de 2009, tinha aceitado um desafio do comandante Hugo Chávez, que o qualificou na ocasião de “intelectualoide”, para debater sobre as virtudes e desvantagens de capitalismo e do socialismo. O duelo chegou a ter data e hora marcadas, mas bem na véspera Chávez se negou. “Para que Vargas debata comigo”, sentenciou o ex-tenente-coronel, “primeiro teria que ser presidente do Peru”.

Cinco anos depois desse entrevero, e com o Chávez já morto, Vargas Llosa encontra um país e uma sociedade em plena transformação. Embora o pretexto que o trouxe desta vez seja a comemoração do 30º. aniversário do Cedice –um respeitado centro de divulgação do pensamento liberal na Venezuela –, a oportunidade política conferiu uma aparência inédita à sua presença. O Governo do sucessor de Chávez, Nicolás Maduro, cambaleia diante de uma colossal crise econômica e após mais de dois meses de protestos, a ponto de se ver obrigado a se sentar para conversar com representantes da opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD). Nesse contexto, a chegada do Nobel de 2010 foi recebida por setores de oposição, incluindo os mais rebeldes, como um reforço moral que deve dar novos brios e maior visibilidade à sua luta.

Reforço moral

A chegada do Nobel de 2010 foi recebida por setores de oposição, incluindo os mais rebeldes, como um reforço moral que deve dar novos brios e maior visibilidade à sua luta.

Os detalhes divulgados a respeito da agenda de Vargas Llosa em Caracas foram poucos. Trata-se em parte de uma deferência que permite abrir espaços de descanso para uma personalidade sempre ativa e vigorosa, mas que já tem 78 anos. E também se deve, sobretudo, a considerações de segurança. Um numeroso esquema de segurança foi visto protegendo o escritor desde a sua chegada.

Suas apresentações públicas acontecerão no Centro Cultural Chacao, instalação pertencente ao município homônimo, que é parte de Caracas e é governado pelo oposicionista Ramón Muchacho. Sob a jurisdição dele ficam também áreas como a praça Altamira, que desde fevereiro serve de cenário para os protestos antigovernamentais. Chacao foi também durante oito anos reduto do ex-prefeito Leopoldo López, dirigente do partido Vontade Popular, a quem o Governo atribui boa parte da responsabilidade pelos distúrbios, e por isso o mantém detido há nove semanas em uma prisão militar na periferia de Caracas.

Llosa não deixou de mencionar López em suas intervenções do primeiro dia de atividades em Caracas, como também o fez María Corina Machado, a deputada da oposição que, depois de perder sua imunidade parlamentar, enfrenta uma ameaça de prisão. “Maduro e Diosdado Cabello não são os rostos da Venezuela ante o mundo”, afirmou Llosa em referência aos líderes máximos do comando, “López e Machado”. No entanto, o escritor destacou seu interesse pelo movimento estudantil que lidera os protestos.

Apoio aos estudantes

Na última quinta-feira – enquanto em Caracas ocorriam os preparativos para a terceira sessão de diálogo entre o Governo e a oposição, e nas cidades de Mérida e Valência as forças de segurança se chocavam com grupos de manifestantes-, o autor de ‘Conversa na Catedral’ e ‘A Guerra do Fim do Mundo’ manteve reuniões com os líderes estudantis. Informou que teria ao menos outra programada para esta sexta-feira. “Seus mortos, seus torturados e suas lutas também são nossas; expressamos nossa gratidão”, foram as palavras que Llosa dedicou aos estudantes venezuelanos durante uma entrevista coletiva ao fórum comemorativo de Cedice, seu anfitrião.

Sendo uma figura de importância mundial, os meios de comunicação estatais e as emissoras de rádio do setor privado tiveram muita dificuldade para ignorar a presença do prêmio Nobel. No entanto, a principal rede de televisão oficial conseguiu não mencioná-lo. O site Aporrea.org, um portal de informações e de opinião não oficial que costuma refletir as posições da ala esquerda do chavismo, chamava Llosa de “o maior guarimbero”, ao mesmo tempo em que transmitia um comunicado em repúdio à visita, assinado por “jornalistas populares e revolucionários”. Até o momento, o escritor deu entrevistas em Caracas apenas à rede Unión Radio e a um programa de produção independente do canal de notícias 24 horas Globovisión.

No passado, o regime chavista não duvidou em expulsar do país a porta-vozes que considerou impertinentes, sem importar seu elevado nível. A líder democrata-cristã peruana Lourdes Flores e José Miguel Vivancos, diretor da organização Human Rights Watch estão entre os visitantes que em outras ocasiões chegaram a emitir declarações que o Governo venezuelano considerou bastante irritantes a ponto de decretar sua expulsão imediata. Ainda nesta conjuntura tão delicada, as autoridades da autodenominada revolução bolivariana parecem ter claro o custo que suporia uma medida dessa índole contra um pensador de âmbito universal.

Diante de uma ameaça real, o escritor ou não a registrou em seu radar ou não se deixa intimidar por ela. Pelo contrário, fiel à sua promessa de dizer “o mesmo que sempre digo” e em relação à militância em prol das liberdades na Venezuela que mostra em seus artigos, parece querer levá-las até os limites que tenta tatear. Em relação à interferência nos assuntos internos, expressou na quinta-feira seu desejo de que o processo de diálogo aberto entre o Governo e a oposição culmine na libertação de alguns presos políticos de que a revolução nega a mera existência. Alertou que o povo venezuelano errou ao eleger Chávez e a um projeto que “emula Cuba e a Coreia do Norte (...) a Venezuela atravessa uma anacronismo radical”. Esse é o teor das expressões com as que, para a inquietude do Governo, Llosa continuará fazendo-se escutar nas próximas horas em Caracas.
 
* Ewald Scharfenberg é correspondente na Venezuela do El País, onde esta reportagem foi publicada originalmente.

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