segunda-feira, 19 de maio de 2014

Brasil, entre protestos e entusiasmo

Brasileiros vivem a dicotomia de protestar contra os gastos excessivos e torcer por sua seleção.

Por Carla Jiménez

Alguns milhares de brasileiros saíram às ruas na quinta-feira da semana passada (15) em protestos pontuais, em diversas cidades do país, e a expectativa é que esses movimentos se repitam nos próximos dias, com novos atos marcados por algumas categorias. Foi uma tentativa de replicar os movimentos dos protestos de 2013, usando o slogan "Não vai ter Copa" como desculpa. Mas, alguma coisa já está diferente em 2014, independentemente da frustração com as obras que eram esperadas como legado da Copa do Mundo.

Se no ano passado grande parte da população brasileira apoiava as manifestações, neste ano, e a menos de um mês do início do evento, a população se divide entre os que rechaçam um evento desse porte para um país com tantas dificuldades, e aqueles que querem viver a festa, pois não dá para mudar agora os resultados da má condução das obras que já deveriam ter ficado prontas para o Mundial. “Os protestos contra a Copa deveriam ter acontecido antes, quando o Brasil foi escolhido”, diz Marcela Tuzjian, dona de uma banca de jornal da avenida Paulista, que se diz contra os Black Blocs, mas a favor do evento de futebol.

Seu sócio, Eberson Stein, também garante que apoia o evento – “vou torcer pela Argentina”, brinca ele – e não vê contrassenso entre as manifestações que tomaram a Paulista diversas vezes, e a realização do Mundial. “Sou a favor dos protestos, mas desde que não exista quebra-quebra”, diz Stein, que vendeu muito salgadinho ontem para os manifestantes que passaram pela sua banca, a caminho da avenida Consolação, onde houve um confronto com a polícia.

O taxista José Eduardo Melin também se diz a favor da Copa, que, em sua visão, trouxe empregos para o país, na construção civil, por exemplo. “Mas você não se incomoda com os gastos exagerados nos estádios?”, pergunta o El País. “O problema não é o roubo, é a falta de punição para esses atos”, diz Melin, que se incomoda com os protestos que estão invadindo a cidade. “Estão usando a Copa para fazer vandalismo”, reclama. Não era o plano inicial, certamente.

Fábio Malini, doutor em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, monitorou na rede o evento de ontem, suas intenções e seus resultados. Malini acredita que o protesto tem um valor importante, e representa um desdobramento dos projetos de junho de 2013. A presença de organizações de trabalhadores na quinta-feira, no que tentou ser reconhecido como um 15M, a exemplo das manifestações que começaram na Espanha em 2011, foi uma novidade e mostra, segundo Malini, uma evolução em relação aos movimentos que tomaram o ano passado. “Há um salto qualitativo, pela organização política envolvida nesse movimento, que até então era mais fragmentada”, diz ele, que é também pesquisador do Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo. Pelo menos 100 organizações se reuniram no protesto Copa Sem Povo: Tô na rua de novo!, com o Manifesto 15 M, que tentou arregimentar participantes pelas redes sociais.

A Copa, assim, seria o elemento catalisador para uma série de demandas, dentre elas, algumas que os manifestantes queriam ver estampadas nas manchetes internacionais, o que explica diversos cartazes em inglês, como o aviso “Tourist, don’t come to the World Cup, danger country” (Turistas, não venham para a Copa do Mundo, país perigoso). Apesar da intensidade das imagens, as manifestações não chegaram a criar um clima de pânico generalizado, pois o Brasil não foi pego de surpresa, como aconteceu durante os protestos do ano passado. Segundo um levantamento do jornal O Globo, houve registro de 21 protestos em 20 cidades diferentes do país, alguns deles reunindo 50 pessoas contra a Copa, como em Salvador, na Bahia, e em outras, como na avenida Paulista, em São Paulo, 1.200 na noite de quinta-feira.

Cadê a primavera brasileira?

Desde as passeatas de junho do ano passado, quando milhões de pessoas protagonizaram cenas inéditas nas ruas do Brasil do século 21, o mundo continua se perguntando: quando será a próxima cena da “primavera brasileira”, capaz de derrubar o regime de corrupção e descaso social que impera no Estado? A ideia de milhões de indignados brigando por saúde e qualidade à altura do gigante latino-americano, parece uma utopia para muitos, que concluem que os protestos de junho “não deram em nada”.

Mas em alguma medida, deram sim, e o a quinta-feira mostrou que a postura mais ativa para brigar por direitos continua, ainda que o número de indignados nas ruas seja menor. Uma das reivindicações dos manifestantes, por exemplo, era o arquivamento imediato dos projetos de lei anti-manifestação que previam punições mais rigorosas contra manifestantes “criam um estado de exceção dentro da democracia”, proposto inicialmente pelo Governo.

De fato, a presidenta Dilma Rousseff recuou e desistiu de submeter ao Congresso esse projeto. No Recife, capital de Pernambuco, a polícia militar e os bombeiros lograram estabelecer um acordo para garantir um canal de diálogo diante das demandas dos profissionais, que esperavam um aumento de 50% em seus salários, mais do que os 14,55% propostos pelo Governo local. A região metropolitana de Recife registrou atos de vandalismo que chocaram a opinião pública, com saques em lojas de pessoas que aproveitaram que os policiais estavam de braços cruzados.

Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, os protestos do ano passado foram mais numerosos, porém, menos violentos que agora. “Este ano há pouca gente e mais violência”, observa. Os Black Blocs, mascarados que acabam protagonizando as cenas de destruição de lojas e do patrimônio público, tornaram-se elementos controversos, pois despertam a antipatia dos brasileiros, e acabam afastando a participação de outras pessoas que gostariam de engrossar o coro dos descontentes. Mas temem cenas violentas, como as do protesto no dia 6 de fevereiro, quando o cinegrafista Santiago Andrade acabou atingido por um morteiro que o matou em seguida.

Outros persistem, como o jornalista João Luiz Vieira, do portal Pau pra Qualquer Obra, que esteve na quinta-feira na Avenida Paulista como cidadão, e que sintetizou nas redes sociais qual era a sua motivação nestes protestos de 2014. “Pode parecer paradoxal ao extremo, mas essas manifestações 'festivas' 'elegantes' ou 'vândalas' (como reza o copy paste dos editores de telejornais) representam, na real, um grande ato de amor pelo Brasil. Um pedido de socorro sem jeito, sem agenda, sem lições de autoajuda e sem regras de etiqueta”.

Vieira não pretende ver os jogos, mas no país do futebol, há os que já se cansaram de reclamar dos gastos exorbitantes do Governo com os estádios e não querem perder a oportunidade de prestigiar o evento. “A Copa vai ser no Brasil e as pessoas estão reclamando? Não entendo isso”, questiona Tina, que é manicure num salão de beleza na zona oeste de São Paulo, onde a maior preocupação são os feriados nos dias de jogo que vão tirar sua comissão diária.

É essa dicotomia que está se vivendo no Brasil de 2014, às vésperas do evento. Aos poucos, a indignação com a má gestão do evento briga começa a ceder para o entusiasmo de ver a seleção em casa, depois de 64 anos. Qual será o sentimento preponderante até o final de junho vai depender do desempenho do time de Felipão em campo, acredita o filósofo Janine Ribeiro. Mas as pessoas já começaram a torcer e a se desconectar um pouco da decepção com os planos traçados inicialmente, como o legado para a infraestrutura. “A Copa vai ser popular e o Brasil deve ter uma festa maravilhosa”, afirma ele. Ainda que tenha ficado muita frustração, como o fato de os ingressos terem sido caros demais e nem tão disponível para os brasileiros. Ribeiro, por exemplo, só conseguiu ingressos para assistir a um jogo de Gana contra Portugal, no estádio Mané Garrincha, em Brasília.
El País, 16-05-2014.

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