domingo, 18 de maio de 2014

Contra a crise, partilha!

A economia de mercado está no fim. Chega a era da cooperação e da partilha.

Por Zygmunt Bauman*
É concebível um mundo gerido e organizado de outra forma em relação àquele em que vivemos – um mundo de crescimento obstinado do individualismo, do consumismo, do desperdício e da desigualdade social?
Esse é o problema que Jeremy Rifkin aborda sem meios termos na sua obra mais recente, de título provocativo: "The Zero Marginal Cost Society" ("A sociedade de custo marginal zero"), com o subtítulo "The Internet of Things, The Collaborative Commons, and the Eclipse of Capitalism" ("A internet das coisas, os bens colaborativos e o eclipse do capitalismo").

Rifkin defende que uma alternativa aos modelos capitalistas de mercado, amplamente considerado uma das características sempiternas da natureza humana, não só é concebível, mas já nasceu e está ganhando espaço, chegando provavelmente a se tornar dominante não dentro de alguns séculos, mas sim de poucas décadas.

Quebra dos grandes monopólios

Os "bens comuns colaborativos", insiste Rifkin, não são uma utopia, mas sim uma realidade ao dobrar a esquina; uma realidade que está distante da atual, não o espaço de uma revolução, de uma guerra mundial ou de outra catástrofe, mas apenas o lapso de tempo que está se reduzindo visivelmente, necessário para que amadureçam formas de partilha e modos de comunicação que já estão implantados, germinam e florescem, fornecem energia e resolvem problemas logísticos.
Assim que tiverem chegado à plena maturidade, os bens comuns colaborativos "quebrarão o monopólio das gigantescas empresas de integração vertical, que operam nos mercados capitalistas, tornando possível a produção paritária em redes continentais e globais de expansão horizontal de custo marginal próximo de zero".
O evento histórico de tal economia está chegando ao fim. Está por começar a era da cooperação e da partilha. Rifkin tem razão quando nos exorta a rasgar o véu tecido pela sociedade consumista mercantil, descobrindo as reais alternativas cada vez mais tangíveis: a possibilidade de uma sociedade baseada na colaboração em vez da competição.
Determinismo tecnológico
No entanto, uma coisa é o lembrete – é justo resistir à tentação de ignorar ou recusar os sinais promissores, que, no entanto, se assomam, de cenários sociais (hoje, a maioria não pode começar senão a partir de uma pequena minoria, e mesmo o carvalho mais frondoso tem origem em uma bolota) –, outra coisa é a improvável sugestão de que a questão já esteja resolvida e que o resultado da transformação em curso esteja preestabelecido. Tudo isso soa como uma nova versão de "determinismo tecnológico".
Um machado pode ser usado com a mesma facilidade para cortar madeira ou a cabeça de alguém: e enquanto a tecnologia determina a série de opções em aberto para os seres humanos, ela não determina quais dessas opções, no fim, será escolhida e qual será descartada. O caminho do desenvolvimento tecnológico não é de mão única.
Igualmente discutível é a decisão de atribuir à tecnologia da informação o status de "infraestrutura" capaz de determinar o caráter de "bem comum colaborativo" da sociedade futura. O acesso universal, fácil e cômodo aos eventos de todo o mundo em tempo real, combinado com a possibilidade igualmente aberta, fácil e sem perturbações de se expor a um público universal já foi saudada por inúmeros observadores como um autêntico ponto de viragem na breve, densa e tempestuosa história da democracia moderna.
O lado escuro da Internet
Contrariamente às expectativas, praticamente generalizadas em nível mundial, de que a internet pode representar um grande passo à frente na história da democracia, envolvendo cada um de nós na construção do mundo que compartilhamos e substituindo a hereditária "pirâmide do poder" por uma política "lateral", acumulam-se provas de que a internet também pode servir para perpetuar e reforçar conflitos e antagonismos, impedindo, de fato, que uma eficaz negociação a mais vozes leve a um possível armistício e acordo, com integração e colaboração em benefício mútuo.
Paradoxalmente, o perigo brota da inclinação de inúmeros internautas a fazer do mundo virtual uma zona isenta de conflito, mas não negociando as questões conflitantes e resolvendo-as com recíproca satisfação, mas removendo da própria esfera visual e mental os conflitos que afligem o mundo não virtual.
Inúmeras pesquisas têm demonstrado que os usuários assíduos da internet podem passar, e de fato passam, grande parte (talvez a maior parte) do seu tempo, ou mesmo a vida inteira, na rede, encontrando-se exclusivamente com pessoas que pensam como eles.
A rede cria uma versão refinada de "zona de acesso limitado": ao contrário do seu equivalente no mundo não virtual, aqui não é cobrado dos ocupantes um aluguel exorbitante, e não adiantam guardas armados nem sofisticados sistemas de controle de circuito fechado; basta uma simples tecla "delete".
O inconveniente é que, em tal m ambiente virtual, tão artificial quanto habilmente desinfetado, dificilmente se poderá desenvolver um sistema imunológico contra as toxinas das controvérsias endêmica ao universo não virtual.
*A opinião do sociólogo polonês Zygmunt Bauman foi publicada no jornal italiano Avvenire. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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