segunda-feira, 12 de maio de 2014

Francisco e o divórcio

Percebe-se, pelo nervosismo da Cúria, que o papa parece estar aumentando apostas sobre a questão.
O papa Francisco continua a dar dicas sobre as possibilidades de "desenvolvimento" no tratamento do divórcio pela Igreja Católica. Relata-se que ele tenha telefonado para uma divorciada argentina que havia escrito para ele depois de ter sido dito que ela não poderia receber a comunhão: ele garantiu a ela, disse a mulher depois, que ela podia comungar.
O Vaticano rapidamente apontou que a política papal não deve ser deduzida a partir de telefonemas pessoais. Mas, em seguida, durante a sua homilia na canonização de João XXIII e João Paulo II, ele mencionou o Sínodo extraordinário que foi convocado para outubro, que tem esse item em sua pauta, e se referiu à "misericórdia divina, que sempre espera e sempre perdoa...". Mais de uma vez, ele mencionou a "misericórdia" como a oferta de um caminho a seguir na questão polêmica da proibição - cada vez mais ignorada - de receber a comunhão por parte dos católicos divorciados e casados em segunda união.
Na homilia, o papa João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II, foi chamado de "o papa da docilidade ao Espírito Santo". Isso é claramente um lembrete de que nem todos os detalhes da teoria e da prática católica estão fixados definidamente. A Igreja, disse o Concílio, foi movida pelo Espírito Santo, para que ela "nunca deixe de renovar a si mesma". Mas ele também citou o papa João Paulo II como "o papa da família", o que poderia ser um lembrete de que a última vez que a comunhão para os divorciados em segunda união era uma questão viva, a porta foi bem fechada pelo papa com a exortação Familiaris consortio de 1981.
Nessa exortação, ele disse uma série de outras coisas, incluindo o seguinte:
"Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações. Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram por salvar o primeiro matrimônio e foram injustamente abandonados e aqueles que por sua grave culpa destruíram um matrimônio canonicamente válido. Há ainda aqueles que contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o prece dente matrimônio irreparavelmente destruído nunca tinha sido válido". Isso não soa muito diferente de algumas das coisas que os bispos alemães falaram recentemente sobre o assunto.
São João Paulo II indicou também as possibilidades de desenvolvimento, em geral, quando ele disse que a Igreja, permanecendo fiel à sua tradição, poderia "caminhar para um conhecimento cada dia mais completo e aprofundado da verdade".
Uma questão cultural pode ser se, com o divórcio amplamente disponível no direito civil, casais católicos que se casam na Igreja podem realmente excluir a possibilidade de que seu casamento poderá um dia ser dissolvido, e se esse conhecimento comprometeria a intenção de entrar em uma união indissolúvel e, portanto, invalidar o sacramento.
Nada disso aponta para soluções fáceis. Foi presumivelmente para diminuir as expectativas que o Vaticano pediu que as conferências episcopais não publicassem o resumo das respostas ao questionário pré-sinodal que foi divulgado no ano passado. Mas torna-se cada vez mais difícil imaginar a Igreja fechando completamente a porta, mais uma vez, como fez o Papa João Paulo II em 1981. Pouco a pouco, percebe-se, sem dúvida, pelo nervosismo da Cúria vaticana, que o Papa Francisco parece estar aumentando as apostas.
The Tablet, 01-05-2014.

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