quarta-feira, 14 de maio de 2014

Paulo VI, o retorno do papa esquecido?

 Dom Helder conversa com crianças numa favela do Rio de. Janeiro acompanhado pelo então cardeal, Montini, futuro papa Paulo VI
Ele deve ser lembrado sobretudo como o papa que continuou e levou ao fim o Concílio Vaticano II.
Por Massimo Faggioli*

A notícia oficial da iminente beatificação de Paulo VI por parte do papa Francisco – no próximo dia 19 de outubro – se presta a diferentes leituras. De um lado não se pode escapar, após apenas duas semanas da dupla canonização do dia 27 de abril, da impressão que o papado como instituição esteja cada vez mais beatificando a si mesmo, precisamente no momento em que a Igreja de Francisco busca reduzir o seu aparato mundano e as perenes tentações de se tornar autônoma do exemplo de Jesus Cristo.

Por outro lado, contudo, é difícil não ver na decisão de beatificar Paulo VI um novo ao do pontificado do papa Francisco, em linha como tudo que disse e fez Jorge Mario Bergoglio desde o dia 13 de março de 2013 até hoje.
Num pontificado todo orientado aos pobres e à misericórdia, Francisco resgata Giovanni Battista Montini da sombra que ele mesmo se impôs ao não seguir as propostas da comissão especial pós-conciliar sobre a contracepção (1967-1968), como também da comissão sobre o sacerdócio feminino (1975-1976).
Num pontificado que está buscando reorientar o catolicismo da verdade das hierarquias para a “hierarquia das verdades” (como diz um documento do Concílio Vaticano II, Unitatis Redintegratio), Francisco relativiza os traços mais problemáticos de Paulo VI, pontificado-ponte entre a época conciliar e o início do longo pós-Concílio: não tanto para reabilitar Montini, mas para fazer justiça a tantos católicos de carne e ossos.
Paulo VI não é somente o papa da encíclica Humanae Vitae (1968) sobre a contracepção, mas também o papa da Igreja do diálogo com o mundo (Ecclesiam Suam, 1964), de um catolicismo social e progressista de modo radical (Populorum Progressio, 1967), e também do legítimo pluralismo político dos católicos (Octogesima Adveniens, 1971). Paulo VI é sobretudo o papa que continuou e levou ao fim o Concílio Vaticano II (1962-1965), que iniciou a reforma litúrgica, e que fechou as portas aos intransigentes tradicionalistas lefebrianos.
Neste sentido, não espanta que Paulo VI fosse, até a eleição de Francisco no ano passado, o papa mais esquecido na história da Igreja recente: não somente porque “muito conservador para os progressistas, muito progressista para os conservadores”, mas culpado de ter feito do Vaticano II – certamente pela sua interpretação do Vaticano II como último bispo-papa do Concílio – a referência primordial do pontificado.
Ainda que não nos detenhamos no trabalho de contar a quantidade das citações de Paulo VI nos documentos importantes do magistério papal entre 2005 e 2012, é claro que o papa Francisco veio recuperar o papa Montini do esquecimento sob dois aspectos: um montinismo teológico, feito de palavras que até há poucos meses eram uma espécie de tabu por parte de certos círculos teológico-políticos neo-conservadores como diálogo, mediação, inculturação; um montinismo político, que vê na política uma vocação precisa dos cristãos, e não uma casta de que se deve tomar distância segundo as conveniências (não somente políticas, mas também intelectuais).
O destino da Igreja católica não é mais necessariamente nem wojtyliano nem ratzingeriano, e nem bergogliano, mas deve voltar para uma ideia da tradição que não pode ser compreendida sem levar em conta o Concílio Vaticano II. Francisco o proclamou não somente com a beatificação, mas com uma linguagem dos gestos e uma teologia escrita que são muito mais próximas de João XXIII e Paulo VI do que de João Paulo II.
Europa, 10-05-2014.
*Massimo Faggioli é professor de História do Cristianismo Moderno na University of St. Thomas, em Minneapolis (EUA).

Artigo do Pe. Geovane Saraiva
Giovanni Montini e o Vaticano II
Papa Paulo VI foi encarregado de colocar em prática algumas das mais ousadas reformas na História da Igreja

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