sexta-feira, 9 de maio de 2014

Quem lê tanta notícia?

O quase massacre de informações de todo tipo não cessa, contaminando o cotidiano das pessoas.

Por Carlos Ávila*
O mundo da informação, a informação do mundo. Notícias e não-notícias. O que acontece edesacontece. Versões e diversões. O dito e o não dito. Isso e aquilo. O quase massacre de informações vindas de toda parte, num espetáculo midiático diário que inclui pouca beleza e muita baixeza.
Os jornais – na antevisão do grande poeta-pensador Charles Baudelaire (1821/1867), precursor do simbolismo, tradutor/introdutor de Poe na França e crítico de arte – não passavam de um "tecido de horrores", da primeira à última página: "Guerras, crimes, roubos, impudicícias, torturas, crimes dos príncipes, crime das nações, crimes dos particulares, uma embriaguez de atrocidade universal". Hoje, além dos jornais impressos, temos ainda TVs – abertas e a cabo – e internet, entre outros avanços tecnológicos. Os "horrores" (ou notícias ruins) se espalharam por toda parte. Não há quem não leia ou ouça algo, por exemplo, sobre um crime hediondo ocorrido em uma de nossas grandes cidades (aliás, elas são o cenário por excelência de inúmeras violências, em função de seus contrastes e desajustes socioeconômicos). Na maioria das vezes, notícias desse tipo vêm acompanhadas também por imagens chocantes, captadas sabe-se lá como (atualmente, há câmeras por toda parte – "sorria, você está sendo filmado" – ou pessoas nas ruas fazendo imagens com celulares, ao acaso, dos mais diversos fatos ou acontecimentos). Num minuto, essas imagens estão na internet – nas chamadas redes sociais; "correm mundo", impactam corações e mentes.
Há, muitas vezes, um verdadeiro fascínio, algo perverso, das pessoas – leitores, ouvintes, telespectadores e internautas – pelos temas mórbidos e violentos (com a palavra, cientistas sociais e psicanalistas); por outro lado, a grande mídia (especialmente aquela de feição popularesca e apelativa) abre espaços generosos para essas notícias escabrosas. Trata-se de um círculo vicioso: emissores e receptores encontram-se envolvidos na mesma teia informacional, alimentada por eles mesmos.
O quase massacre de informações de todo tipo não cessa – a mídia vem ganhando um ritmo cada vez mais acelerado (a notícia em tempo real), uma dinâmica desconhecida anteriormente, nem sonhada na época de Baudelaire, quando o jornal impresso era o meio hegemônico. Agora, até a própria fala cotidiana, os diálogos diários nos contatos entre as pessoas parecem contaminados por esse ritmo alucinante de notícias. Não há um papo em que não se mencione, aqui e ali, alguma situação ou fato violento lido ou visto na mídia. Trata-se de uma espécie de "flagelo linguístico", como diria Italo Calvino, aparentemente sem solução ou saída.
Espantava-se Baudelaire como os ditos civilizados podiam acompanhar sua refeição matinal com esse "repugnante aperitivo", o jornal. Hoje – com TVs e internet – nada mais espanta ninguém. Estamos todos presos não mais num tecido, mas numa tela de horrores nas três refeições diárias.
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto Sentido e Área de Risco (poesia); Poesia Pensada (crítica) e Bri Bri no canto do parque (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.

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