Na capital mundial dos botecos, na falta de mar, todos se encontram à beira-bar.
Por Carlos Ávila *
“Ali pelo oitavo chope, chegamos à conclusão de que todos os problemas eram insolúveis. Florêncio propôs, então, um nono chope, argumentando que outro copo talvez encerrasse uma solução. (...) Éramos quatro ou cinco, em torno de pequena mesa de ferro, no bar do Parque”. Assim começa um dos mais criativos (e deliciosos) romances passados em Belo Horizonte: “O Amanuense Belmiro”, de Ciro dos Anjos (1906/1994). Publicado em 1937, seu texto é machadiano, intimista e lírico.
O livro de Ciro se inicia sob o signo etílico, com a proposta de um nono chope, num bar do Parque Municipal em BH – uma cidade ainda idílica e provinciana, no final dos anos 30. A São Paulo dessa época já era mais elétrica e vibrante; modernista e industrializada. Ambas capitais cresceram e mudaram muito, mas BH ainda guarda resquícios desse passado. Tanto São Paulo quanto o Rio, mais desenraizadas e cosmopolitas, são algo lisérgicas; BH, longe do litoral, entre montanhas e interiorizada, continua etílica: “bar/ó meu mar”, exclama o poeta Affonso Ávila (1928/2012) num dos epigramas do seu livro “O visto e o imaginado” – apenas dois versos certeiros sobre o bar Redondo, na beira da lagoa da Pampulha (local mítico da cidade, com a marca da arquitetura inicial de Niemeyer).
Na falta do mar (ou seja, da praia), vamos ao bar. Gerações se sucedem e continuamos sob o signo etílico. A vida é esta, subir Bahia e descer Floresta – como cantava o boêmio – sempre na ronda dos bares. Todos se reúnem à beira-bar: mar de mineiro. Copos e conversas ao pé do ouvido; “conversa de botequim”, como cantava o grande Noel Rosa (1910/1937), que, aliás, esteve por aqui uns dois anos antes da publicação do livro de Ciro. Veio procurando melhores ares, pois estava com tuberculose. Mas, dos ares aos bares foi “um pulo”, entregou-se novamente à boemia e ao meio artístico, chegando até a cantar na antiga Rádio Mineira. Em pouco tempo, já estava de volta ao Rio.
Vários bares marcaram época em BH; alguns deles continuam firmes e fortes como, por exemplo, os tradicionais Cantina do Lucas, Petisqueira do Primo e Baltazar – lugares onde se come e se bebe bem. Recentemente, dois escritores “amigos do copo” retrataram com bom humor a cidade etílica, nos conturbados anos 1970, em livros de bolso (ambos lançados pela Conceito Editorial): Paulinho Assunção, em “Maletta”, e Antônio Barreto, em “Centro”.
Onde não existe mar, a opção é o bar (drinques: conversas e confissões sem fim; maledicências e inconfidências mineiras). Dizem que uma pesquisa constatou que BH é a cidade com mais bares per capita do Brasil. Mas, se o nono chope pode encerrar uma solução nenhuma pesquisa ainda comprovou.
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto Sentido e Área de Risco (poesia); Poesia Pensada (crítica) e Bri Bri no canto do parque (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.
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