sexta-feira, 20 de junho de 2014

Em Belém, Arrastão do Pavulagem anima São João com folclore do PA

Encontro que começou há 27 anos atrai cerca de 20 mil pessoas.
Ritmos da quadra junina se misturam aos sons da Amazônia.

Luana LaboissiereDo G1 PA
Arraial do Pavulagem conduz cerca de 20 mil pessoas durante a quadra junina em Belém. (Foto: Divulgação/Instituto Arraial do Pavulagem)Arraial do Pavulagem conduz cerca de 20 mil pessoas durante a quadra junina em Belém. (Foto: Divulgação/Instituto Arraial do Pavulagem)
Em Belém, os festejos de São João contam não apenas com a tradicional exibição de quadrilhas juninas. A cultura popular da região também seu espaço garantido com o Arrastão do Pavulagem, que sai pelas ruas da cidade levando cerca de 20 mil pessoas a cada fim de semana no mês de junho.

Crianças, jovens e adultos enfeitados com os inconfundíveis chapéus de palha com fitas coloridas acompanham o cortejo que sai da escadinha do cais, no bairro da Campina, até a praça da República em um percurso de cerca de um quilômetro e meio, realizado ao som de quadrilha, xotes, retumbão e carimbó. 
 
A publicitária Daísa Passos não perde a oportunidade de curtir o cortejo com os amigos. (Foto: Daísa Passos/Arquivo pessoal)A publicitária Daísa Passos não perde a chance
de curtir o cortejo com os amigos.
(Foto: Daísa Passos/Arquivo pessoal)
Nem o sol forte da época é capaz de tirar a disposição dos participantes como a fotógrafa e publicitária Daísa Passos, de 26 anos, que segue o arrastão. “É uma das poucas manifestações culturais em que pessoas de todos os tipos se misturam. É um espaço totalmente democrático. E isso encanta quem quer que seja. A gente vê famílias inteiras juntas, do netinho à vovó. Você leva a família ou vai para encontrar os amigos. Todo mundo se diverte e não tem como não sair feliz”, diz.
A jovem conta que começou a participar ainda na adolescência e desde então se tornou presença constante no evento. “Eu cresci com o arrastão e não me vejo um ano sem ir. Temos um São João completamente diferente dos outros estados. Somos regados ao som do carimbó. E os cortejos fazem com o que o ritmo não se perca no meio de tantas culturas que o Brasil tem e que se misturam quando tanta gente diferente está no mesmo lugar”, define.

Tradição
A iniciativa começou há 27 anos, com a reunião dos músicos Ronaldo Silva, Júnior Soares, Rui Baldez e uma pequena comitiva de dançarinos, bonecos cabeçudos, pernas-de-pau e brincantes, que formam o Batalhão da Estrela, em apresentações na praça da República em que convidavam o público para brincar de boi-bumbá no Teatro Waldemar Henrique.

“Na época nem tínhamos um boi de verdade, com a figura do ‘tripa’, que dá vida e movimento ao brinquedo; usávamos um boizinho de tala para animar as toadas. Mas aos poucos o movimento cresceu tanto que o teatro não comportou mais aquela multidão”, relembra Silva, que preside o Instituto Arraial do Pavulagem, organização não-governamental que além de fomentar a cultura e a memória locais, incentiva ações de educação ambiental.
 
 (Foto: Divulgação/Instituto Arraial do Pavulagem)Figura indispensável no cortejo, o boi-bumbá do Pavulagem foi inspirado em outros bois de toada, mas aos poucos ganhou características próprias. (Foto: Divulgação/Instituto Arraial do Pavulagem)
O músico diz que a formação do cortejo nasceu das festas juninas brasileiras, das tradicionais homenagens aos santos católicos Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal, e dos bois do nordeste, mas aos poucos ganhou identidade própria com o acréscimo de elementos regionais.

“Com o passar do tempo o nosso boi-bumbá ganhou cara própria, inspirado no boi Tinga, de São Caetano de Odivelas, que não é como o Catirina, que é um boi de comédia. O rosário – espécie de guirlanda de flores - que ele traz na cabeça também uma coisa feita aqui. O cortejo ainda ficou mais rico com os cabeçudos e os cavalinhos e com uma variedade rítmica grande com o xote, o retumbão, que vêm da marujada de Bragança”, conclui.
A estrela: o boi
Dora Soares, 48 anos, sabe da responsabilidade que pesa sobre suas mãos. Cabe à artesã confeccionar um dos ícones do arrastão: o boi-bumbá. O ofício, ela conta que aprendeu com o marido, o carnavalesco Evaldo Gomes, que morreu há três anos, deixando para a esposa o legado dos bordados e da perfeita combinação de cores de fitas, paetês, miçangas e outros adereços que ornamentam um dos principais símbolos da quadra junina.
 
A artesã Dora conta que confeccionar o boi-bumbá técnica, criatividade, dedicação e paciência. (Foto: Luana Laboissiere/G1)A artesã Dora conta que confeccionar o boi-bumbá
exige técnica, criatividade, dedicação e paciência.
(Foto: Luana Laboissiere/G1)
“É um trabalho que não exige só criatividade, em saber quais os motivos vamos escolher, ou só a técnica para forrar o tecido, aplicar os bordados, mas pede principalmente dedicação e muita paciência, já que se um ponto estiver errado, ou um paetê mal preso, tem que desmanchar e fazer tudo de novo”, revela.

Neste ano, a preparação do boi exigiu um mês de trabalho, dividido entre as atividades que ela realiza como secretária. Para confeccionar a peça foram gastos 3,5 metros de cetim para a barra da saia do brinquedo, 2,5 metros de veludo para revestir, um metro e meio de pluma (marabu), 30 pacotes de paetês, 30 metros de fitas de cores diversas, e mais de três mil miçangas, apoiados em uma estrutura feita de ripas de madeira leve e de miriti, uma palmeira típica da região de várzea. A Copa do Mundo no Brasil foi a inspiração para a criação da artesã.

E quem pensa que a participação de Dora se encerra quando o boi é entregue, engana-se. Ela diz que faz questão de acompanhá-lo em todas as saídas de cortejo para se certificar de que nenhuma peça se soltou e fazer reparos emergenciais. “Além da disposição, da alegria que a gente leva para o arrastão, saio com tudo na bolsa: cola quente, tesoura, alfinete de segurança, fitas, flores e bordados para repor se precisar. E sempre vou ao lado do boizinho para ver se chegou bem, inteiro; é um apego que a gente cria, sabe?”, confessa.
Márcio Gomes é o homem por trás do Boi Pavulagem há 26 anos. (Foto: Luana Laboissiere/G1)Márcio Gomes é o homem por trás do Boi
Pavulagem há 26 anos.
(Foto: Luana Laboissiere/G1)
Outro personagem que trabalha nos bastidores para a festa acontecer é Márcio Gomes, 36 anos, que durante a quadra junina assume o papel de “tripa”, o homem que se veste de boi para dar movimento à peça e brincar no meio do público. Franzino, com 1,60 m, ele diz que é necessário energia para dar conta do brinquedo, que pesa em média 25 quilos.

“Na véspera da saída, como bastante carboidrato porque nos dias das apresentações, a alimentação tem que ser leve e beber muito líquido. Não é fácil dançar, fazer as evoluções durante uma hora e meia debaixo de sol quente, descalço e vestindo duas camisas de mangas compridas”, entrega Gomes, que está na função há 26 anos.

Ele surpreende quando conta o porquê da escolha em dançar com os pés nus. “E tu já viste boi andar calçado, de sapato? A gente procura manter viva essa tradição para mostrar para as crianças que é preciso valorizar essa cultura. Os mais novos, os mais velhos, todos ficam encantados, querem se aproximar, tocar no boi, tirar foto com a gente, dançar no nosso lado; é muito gratificante”, diz.
Serviço
O primeiro Arrastão do Boi Pavulagem 2014 ocorreu no último domingo (15) e próximos serão realizados nos dias 22 e 29 de junho e 6 de julho. A concentração será às 9h na escadinha do cais do porto, na avenida Boulevard Castilhos França, ao lado da Estação das Docas. Depois o cortejo segue pela avenida Presidente Vargas até a praça da República, onde a banda do Arraial do Pavulagem realizará um show com a participação de artistas locais.
Estandartes confeccionados pelo Mestre Nato são destaque de adereços em meio à multidão. (Foto: Ray Nonato/O Liberal)Estandartes confeccionados pelo Mestre Nato são destaque de adereços em meio à multidão. (Foto: Ray Nonato/O Liberal)

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